Nonato Guedes
O governador João Azevêdo está virando a página de 2019 órfão de partido político e rompido com Ricardo Coutinho (PSB), que foi seu grande cabo eleitoral na cruzada para chegar ao Palácio da Redenção em outubro de 2018. A ruptura foi assumida ontem, na véspera do Natal, durante entrevista coletiva em que o gestor atual deu ciência de uma medida profilática de profunda repercussão e de consequências ainda imprevisíveis – o banimento da atuação, em território paraibano, pelo menos na relação com o governo, de organizações sociais supostamente especializadas na pactuação da gestão em setores estratégicos como a Saúde e a Educação. Responsáveis por uma sangria vultuosa nos cofres públicos, que desembocou na instauração da Operação Calvário, já na sua versão emblematicamente apelidada de “Juízo Final”, as tais OS foram introduzidas na Paraíba por Ricardo Coutinho e vendidas como a “pomada maravilha” desses tempos de inovação no modelo administrativo.
Acabaram constituindo-se em focos de desorganização do sistema de prestação de serviços pelo poder público paraibano e em repositório de uma indústria de propinas, regiamente pagas a agentes públicos, como suposta retribuição por terem aceito a desenvoltura de ação das OS. Em paralelo, contribuíram para desvalorizar o conceito e a competência de profissionais de áreas estratégicas, com raízes na Paraíba, que de maneira solerte foram excluídos de ingerência na prática do “mister” em que empenharam energias e economias, abarcadas pelo tripé sangue-suor e lágrimas, corolários da sua dedicação como neo-missionários da sociedade. A criminalização da gestão pública na Paraíba colocou por terra os álibis de eficiência, produtividade e alcance social invocados como mantras pelo ex-governador Ricardo Coutinho. A Paraíba foi apresentada, estupefata, à planilha de uma denominada “Orcrim”, abreviatura de organização criminosa, com tentáculos a perder de vista e implicações densas no perfil da sociedade local. Foi uma sortida melancólica que respingou na biografia política do ex-governador.
Em relação a João Azevêdo, por questão de justiça, diga-se que ele não opôs resistência ao modelo de gestão pactuada das organizações. Não somente as manteve em pleno funcionamento e com autonomia aparentemente ilimitada, como abalou-se a ir público apregoar o que seriam “as virtudes excelsas” do modelo, em desafogo das excessivas responsabilidades concentradas pelo poder público estadual. Era como se o governo estivesse descentralizando missões sem prejuízo – pelo contrário, ganhando em qualidade, teoricamente, no atendimento à comunidade. Faltou ao governador João Azevêdo a intuição sobre a forma com que tais OS se estruturam e a impressionante quantidade de recursos que manipulam, com alforria para criar dutos de corrupção disfarçada, tendo como público beneficiário os corruptos de sempre, que nunca deixam de estar a postos para o menor sinal de que serão chamados a voltar a entrar em cena, por vezes em posição de destaque.
Na entrevista coletiva, João Azevêdo fez uma espécie de “mea culpa”, admitindo que, na prática, as tais Organizações Sociais foram um estorvo para a população, sem terem oferecido uma grama de assistência modelar, o que viabilizaria a reformulação do próprio verbete “administrar”. A constatação da nocividade das OS deu-se a um preço muito elevado para o combalido erário público. Daí porque, em certa medida, as providências tomadas pelo atual governador, com a criação da Fundação PB Saúde para tomar a prumo o que estava se esvaindo no ralo da corrupção institucionalizada, tiveram um quê de “expiação” face aos males que haviam sido adaptados para a enviesada conjuntura do nosso Estado. Acena-se, agora, com transparência zero nas novas investidas do poder público que tomarão forma a partir do primeiro dia útil do ano que está batendo à porta. A opinião pública divide-se entre dar um crédito de confiança ou continuar desconfiando. De concreto, não há cheques em branco sendo distribuídos na praça a agentes públicos de plantão que se arvoraram a responsabilidade de tocar a máquina, já que o dínamo não pode parar.
Há, por trás de toda a coreografia que dá suporte a decisões fulminantes do governador João Azevêdo, a sua preocupação em exorcizar os fantasmas do passado tão recente – embora, intimamente, seja possível que ele tenha a convicção de que esses fantasmas ainda vão sobrevoar o Palácio da Redenção por mais algum tempo, até serem definitivamente extirpados do mosaico tabajara. Há quem se preocupe, também, em deslindar o alcance de supostos elos de João Azevêdo com fatos que, afinal de contas, desenrolaram-se como “tsunami” na gestão que lhe cabe empalmar. A respeito disso, em atitude de cautela, o governador já descartou, ontem, indícios de envolvimento seu em corrupção relativa a gastos da campanha eleitoral que o alçou ao Estado. Empenhou-se nitidamente em procurar revestir de legalidade as iniciativas que recomendou, escudadas na utilização de verbas do Fundo Partidário, o que o eximiria de qualquer participação, tanto que partiu dele a insinuação de que “se alguém desviou-se desse caminho” o fez à sua revelia.
Estamos, realmente, diante de um novo governo e, no seu bojo, de uma nova realidade, despojada de fantasmas aterradores e de sanguessugas do dinheiro público? Só o tempo, Senhor da Razão, dirá se esta é a moldura que se abre para 2020 perante nossas vistas e em face de nossas expectativas. A conferir!
P.S: Feliz Natal para eventuais leitores, acompanhado do compromisso de informar cada vez mais melhor no instigante projeto editorial de “Os Guedes”, fruto da visão e tenacidade do mano Lenilson, meu editor.