Bárbara Therrie/Colaboração para o VivaBem
“Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”. Há 12 anos, o servidor público Adílio Bezerra, 54, passa pela provação de cumprir o juramento feito nos votos de casamento. Em 2007, a mulher dele, a professora Gláucia, sofreu um AVC e ficou em estado vegetativo persistente. Em depoimento ao VivaBem, ele conta como cuida dela e afirma que nunca vai desistir.
“Eu e a Gláucia nos conhecemos na Paraíba, em 1986, na rádio onde eu trabalhava como radialista. Com um mês de namoro, ela, que já era mãe de uma menina, me contou que estava grávida do ex-namorado. Ela achou que eu fosse terminar, mas assumi as crianças e depois tivemos mais dois meninos. Oficializamos a união em 1992.
Nós levávamos uma vida normal, até que tudo mudou na madrugada do dia 18 de setembro de 2007. A Gláucia acordou como de costume para ir ao banheiro. Ela levantou passando mal, pálida e com dificuldade de respirar. Ela desmaiou e nós fomos para o hospital.
Chegando lá, ela teve uma parada cardiorrespiratória e o cérebro dela ficou comprometido com a falta de oxigênio. Ela foi entubada e diagnosticada com um AVC isquêmico de ponte.
Os médicos me chamaram e informaram que ela não tinha mais do que dez horas de vida. Eu fiquei sem chão e chorei bastante.
Tinha certeza que ela ia morrer, até me preparei para enterrá-la. Voltei para casa abatido, contei para um vizinho o que tinha acontecido e ele me encorajou a confiar em Deus. Minha fé reacendeu e eu passei a crer no impossível.
O prognóstico não se cumpriu, minha esposa sobreviveu, mas ficou em estado vegetativo persistente. Ela não fala, não anda, não escuta e perdeu todos os movimentos. Ela respira através da cânula traqueal e se alimenta por sonda. A Gláucia ficou internada no hospital cinco anos, três meses e três dias. Abandonei o emprego na rádio e mantive só o cargo de funcionário público para ter mais tempo com ela. Aprendi com os enfermeiros a trocar fralda, a dar banho, a depilar a área pubiana e a fazer a aspiração traqueal.
Rotina em diário
No dia 21 de dezembro de 2012, ela recebeu alta e nós fomos para casa. Nós não temos homecare, eu montei uma estrutura simples e faço tudo por conta própria com a ajuda dos nossos dois filhos. Eles são bastante presentes e participativos nos cuidados com a mãe.
Todos os dias, um deles vem me ajudar a dar banho nela. Eu durmo em um colchão ao lado da cama hospitalar dela. Quando ela acorda, eu digo bom dia, falo qual a data, dia da semana, ano, se ela vai receber alguma visita. Eu tenho um diário onde registro todas as atividades que fiz com ela —horário em que ela urinou, evacuou, em que mudei ela de posição na cama.Faço isso para mostrar a ela quando ela voltar à normalidade. Mesmo acamada, a aparência física dela se mantém preservada. Ela não perdeu peso e nunca teve uma escara. Cuido da vaidade dela, corto o cabelo, as unhas, faço depilação, passo protetor labial. A Gláucia continua linda e tem uma pele de bebê.
Ao longo do dia, procuro interagir ao máximo com ela. Leio a Bíblia, toco e canto louvores cristãos. Me declaro, digo que a amo, beijo e abraço. Tudo o que faço por ela é espontâneo e de coração, não espero receber nada em troca. Tenho três contas e uma página no Facebook em que compartilho nossa história de superação e sei que nosso romance já inspirou muita gente.
Atualmente, o estado de saúde da Gláucia é estável, ela segue em estado vegetativo persistente. A cada seis meses, ela recebe assistência médica por meio do Programa Saúde da Família.
Segundo os médicos, não há chance de reversão do quadro dela. Eu respeito a medicina, mas se fosse pelo prognóstico, nem viva ela estaria. Ela é um milagre de Deus.
São 12 anos e três meses cuidando da linda Gláucia. Quando nos casamos, fizemos os votos de viver um para o outro, de ser uma só carne como está na Bíblia. Tenho certeza que se fosse o contrário ela faria o mesmo por mim.
“Sou fiel”
Não posso mentir, como homem, já pensei em outras mulheres, mas nunca me relacionei com nenhuma. Eu sou fiel à Gláucia. Eu sinto falta de sexo, meu corpo quer sexo, mas eu quero fazer amor e amor eu só posso fazer com a minha esposa, que é a mulher da minha vida. Seria uma covardia traí-la. Eu já recebi todo tipo de conselho, desde sugestões para deixá-la e até encontrar outra mulher e nós cuidarmos juntos da Gláucia.
Passado mais de uma década do AVC dela, admito que estou triste e sofrendo. Humanamente falando, estou cansado, minha fé não é mais a mesma do início. Eu ainda acredito que ela vai voltar, mas também tenho a consciência de que Deus tem poder para levantá-la ou levá-la. A vontade dele prevalecerá.
Há 12 anos meus filhos estão sem a mãe, e eu sem minha mulher. Sinto falta da vida que tínhamos, da companhia, das conversas e do sorriso dela. Acredito que Deus tem me usado para mostrar que o amor supera todas as dificuldades, que a fidelidade é fundamental em um relacionamento e que a família nunca será destruída —embora esteja tão desestruturada na nossa sociedade. A família é nosso maior bem nessa terra.”Eu sinto falta de sexo, mas eu quero fazer amor e amor eu só posso fazer com a minha esposa, que é a mulher da minha vida. Seria uma covardia traí-la”
Se a Gláucia voltasse ao normal hoje, a primeira coisa que eu faria seria dizer te amo e depois faria amor com ela. Já tenho uma lista de desejos do que realizaríamos. Curtiria cada momento, a levaria para comer fora, passear, viajar e recuperar o tempo em que ela ficou vegetando.
Quando me perguntam por que eu não desisto, a resposta é simples e fácil, não desisto porque o amor não deixa.”
O AVC
O que é? De forma geral, o AVC é a morte de células do cérebro, que acontece pela interrupção do fluxo sanguíneo no órgão. O tipo isquêmico pode acontecer quando há o entupimento de um vaso sanguíneo, devido ao acúmulo de placas de gordura em suas paredes. Ou então quando um coágulo migra para um vaso sanguíneo cerebral e limita o fluxo de sangue, o que vai “matando” as células que não recebem nutrição.
Assim que o AVC ocorre, é preciso correr para o hospital. Em caso de AVC isquêmico, é importante devolver o fluxo de sangue para a região afetada, tentando salvar cada vez mais tecido cerebral. Se o vaso sanguíneo estiver entupido com um coágulo, também pode ser indicado fazer uma trombectomia, quando o médico consegue aspirar esse coágulo e liberar a passagem de sangue.
O estado vegetativo persistente, em geral, é um estado em que só sobra a parte “automática” de funcionamento do cérebro. O cérebro tem um funcionamento automático, como por exemplo, estado de sono vigília, pressão arterial e frequência cardíaca. São algumas reações básicas de reflexo, como sucção, piscadas ou reação de acompanhamento do olhar. Mas isso acontece de maneira automática.
As pessoas em estado vegetativo conseguem abrir os olhos, mas não conseguem falar ou fazer coisas que requeiram pensamento ou intenção consciente, e não têm consciência de si próprias nem de seu ambiente.
No estado vegetativo persistente, a pessoa não tem mais função voluntária.