Nonato Guedes
Com a Pasta da Cultura do governo federal em evidência na mídia no rastro do convite feito pelo presidente e capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro à atriz Regina Duarte para assumi-la, é oportuno lembrar que dois paraibanos de expressão, o humanista Celso Furtado (cujo centenário de nascimento se celebra este ano) e o jornalista, cineasta e escritor Ipojuca Pontes estiveram à frente desse segmento na crônica recente do poder no país. Celso foi ministro da Cultura no governo de José Sarney, que se investiu com a morte de Tancredo Neves. Atuou no período compreendido entre 1986 e 1988 e enfatizou a dimensão social da Cultura, além de valorizar o patrimônio histórico e o Fórum de Secretários Estaduais de Cultura. Na Paraíba, o secretário era o inesquecível jornalista e escritor Severino Ramos, admirador de Furtado e amigo pessoal de Ipojuca, a quem recebia no terraço de sua casa em Jaguaribe para embates antológicos sobre generalidades. Ramos despachou com Celso e teve a receptividade dele para projetos apresentados. A pasta que ocupava, porém, foi extinta abruptamente pelo governador Tarcísio Burity, que não obstante investiu maciçamente na Cultura, valorizando a Orquestra Sinfônica e dotando a Capital do Espaço Cultural José Lins do Rêgo, uma obra perene, além do Mercado do Artesanato. Ipojuca foi Secretário Nacional de Cultura no governo do ex-caçador de marajás das Alagoas, Fernando Collor de Mello, melancolicamente tragado por um impeachment derivado de denúncias de corrupção.
Quando foi feito o anúncio da nomeação de Celso Furtado, fundador da Sudene e ex-ministro do Planejamento do governo João Goulart, além de economista por formação, analistas políticos especularam que a ida para a Cultura seria uma ponte para sua efetivação na Fazenda. Esta Pasta, todavia, acabou sendo entregue a outro paraibano, Maílson da Nóbrega, atualmente consultor econômico em São Paulo. Sarney estava ávido por popularidade e o calcanhar de Aquiles do governo era a economia. Foi quando deu à luz o Plano Cruzado, que pariu “os fiscais do Sarney” e cuja filosofia era centrada na estabilização de preços e tarifas. O Plano mobilizou corações e mentes de cidadãos comuns, que fecharam supermercados pegos em infração dizendo-se representantes do presidente da República. O delírio populista acabou fazendo furos – e a dupla Sarney-Maílson, infelizmente, legou ao final um dos maiores índices de inflação da história do país.
No que diz respeito a Ipojuca Pontes, além de consagrado nacionalmente por algumas produções, é irmão do não menos festejado teatrólogo Paulo Pontes, que fez arte conectada com a realidade do povo brasileiro e articulado com grandes nomes do meio artístico-cultural brasileiro como Chico Buarque de Holanda, Oduvaldo Vianna Filho e Bibi Ferreira, quem foi casado. Paulo Pontes, que inspirou intelectuais paraibanos como Alarico Correia Neto, ex-diretor do Teatro Santa Roza, morreu precocemente e em plena ascensão do seu processo de criação. Ipojuca, baseado no Rio, tem vasto currículo de ensaios e análises na mídia jornalística sobre temas distintos da conjuntura. Ao contrário do irmão, situado à esquerda, Ipojuca assumiu-se anti-comunista e denunciou erros desse regime, alimentando controvérsias intermináveis. Quando Secretário Nacional da Cultura, deflagrou processo de desestatização de empresas de fomento à cultura como a Embrafilme, ocasionando reações. Preconizava menos intervenção do Estado na Cultura, o que constituía tese pertinente e coerente.
Ipojuca não teve condições de levar adiante os projetos na área da Cultura até por causa do tumulto e instabilidade que cercaram o governo do presidente Fernando Collor de Mello, que acabou sofrendo processo de impeachment em meio a denúncias sobre esquema de tráfico de influência e denúncias, até, de enriquecimento ilícito. De resto, Collor não fazia questão de demonstrar interesse ou fascinação pelas artes e pela cultura. Estava mais empenhado em ser visto como o Indiana Jones, o presidente que quebrou a barreira do som no avião oficial, o playboy do poder. Ipojuca acabou fazendo “mea culpa” sobre loas que entoara a Collor. É possível que não se detivesse melhor sobre o perfil pouco convencional do descendente de oligarquias alagoanas. No que tange a Regina Duarte, tem sofrido um patrulhamento sem precedentes por parte de colegas de atividade, que sobrevivem da polarização imposta entre o PT e o antipetismo. Não há, é claro, experiência da “Namoradinha do Brasil” em cargos executivos. Mas ela tem sido atacada com fúria nas redes e na mídia. De repente, pode até surpreender. Já se sabe que a Secretaria que ocupará ficará diretamente subordinada à Presidência da República. Não custa torcer para dar certo. O país está cansado de recalcados e negativistas.