Nonato Guedes
Rompido – ao que parece, irreversivelmente – com o padrinho influente Ricardo Coutinho, que o ungiu candidato ao Palácio da Redenção e moveu céus, terras e raios para elegê-lo, feito alcançado em primeiro turno, o governador João Azevêdo tenta exorcizar os fantasmas da Operação Calvário que rondam sua gestão, dar dinâmica à gestão que seria de continuidade (“neste governo, ninguém solta a mão de ninguém”, afirmou, no discurso de posse no Teatro A Pedra do Reino) e ao mesmo tempo firmar-se como líder político. Para viabilizar esse projeto, apela para o ímã da caneta que nomeia e demite, no que diz respeito ao varejo da política. Em termos administrativos, empreende verdadeira ginástica para manter o controle das finanças e busca compensar a falta de carisma com um pacote de bondades e outros mimos a funcionários públicos, a exemplo do magistério, contemplado com reajuste e quinquilharias adicionais.
Há uma peculiaridade no histórico do gestor de plantão em Palácio: ele está tendo seu batismo de fogo político-administrativo em pleno fragor de escândalos que sangraram a máquina e, este ano, no meio de uma eleição para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores nos 223 municípios, com destaque especial para João Pessoa, a Capital, e Campina Grande, o segundo colégio em relevância. Passados um ano e vinte e dois dias da posse, Azevêdo desponta, ainda, como sobrevivente do tsunami sem precedentes que desabou na cena política e administrativa do Estado. Conta com o apoio de deputados, secretários políticos, prefeitos e outras lideranças menos cotadas, mas move-se com cautela. Na prática, o técnico João Azevêdo está sendo apresentado a um universo imprevisível, território onde pode acontecer tudo, inclusive, nada.
Não parece faltar-lhe traquejo – afinal, mesmo sendo considerado neófito, é fora de dúvidas que se enfronhou, de algum modo, em articulações políticas decisivas que costuraram chapas, às vezes em atmosfera de sangria desatada, na undécima hora, com acomodações extraídas a fórceps como corolário do difícil mister político. Mutatis mutandis, Azevêdo reproduz modelo do primeiro governo de Tarcísio Burity, um dos fenômenos da paisagem local. Indicado governador por via indireta, embora sacramentado em convenção que disputou com Antônio Mariz em 78, Burity ficou tatuado pela mídia sulista como neófito, obscuro professor universitário e incógnita como gestor. Surpreendeu aos homens de pouca fé passando com louvor em corridas de obstáculos. Além da profunda densidade intelectual que o revestia, Burity amava o poder, o que contribuiu para ejetá-lo à glória ao figurar nas páginas amarelas da revista “Veja”, desafiando o regime militar, de cujo ventre se originara, já nos seus estertores, com pregações como a defesa de uma Constituinte e de eleições diretas para presidente. Um sacrilégio perante a tropa que se preparava para bater em retirada, à frente o general Figueiredo, providencialmente inspirado na exortação ao povo brasileiro para que o esquecesse.
Entre parcelas da opinião pública – e, sejamos honestos, junto a alguns dos próprios auxiliares que têm linha direta com ele, João Azevêdo enfrenta dúvidas e desconfianças quanto ao verdadeiro grau de conhecimento e, vá lá, de participação, em algum dos inúmeros esquemas embutidos no organograma da “orcrim”, organização criminosa que assaltou os cofres públicos, no dizer do Ministério Público. Os desmentidos e negativas passaram a ser recorrentes nos encontros com jornalistas, em entrevistas coletivas ou em manifestações livres que formula. Citado na “Operação Calvário” ele já foi. O ex-secretário Ivan Burity, que intermediava pagamento de propinas a mando de Ricardo Coutinho, afirmou em delação que Azevêdo, quando secretário de infraestrutura de RC, era quem organizava com as empreiteiras da transposição do Rio São Francisco a partilha do dinheiro sujo entre aliados do então governador, incluindo deputados.
Enquanto a Justiça não se pronuncia em caráter de sentença, o governador de plantão ganha tempo e fôlego para “tocar o barco”, como dizia o saudoso Ricardo Boechat. O grau de mobilidade com que se move, claro, é muito tênue, frágil, podendo se romper a qualquer instante de forma inesperada. Não era essa a situação com que Azevêdo sonhava – e isto é um raciocínio subjetivo diante das conexões intrínsecas alardeadas com o ex Ricardo Coutinho, ora em desgraça ou no inferno astral. Mas é o que se tem, o que está posto e o que precisa ser executado, até que fatos supervenientes, ou não, alterem o enredo. Assim é, se lhe parece…