Nonato Guedes
Ex-ministro da Fazenda, o economista paraibano Maílson da Nóbrega é contrário à ideia do governo do presidente Jair Bolsonaro de criar um Fundo para compensar altas do preço do petróleo, quando provocadas por crises. “A intenção, evidentemente, é boa: tentar evitar o impacto no bolso dos consumidores. Mas a medida pode acarretar muitos outros problemas. Sua implementação exigiria o uso de dinheiro público, que poderia ser mais bem aplicado em educação, saúde e segurança, tanto mais se levada em conta a atual escassez aguda de recursos. Ademais, a ideia contradiz a posição oficial em prol da extinção de fundos. O governo precisa, pois, ter cuidado no exame da matéria”, adverte Maílson em seu blog na revista “Veja”.
E prossegue: “Como é habitual em assuntos que envolvem o setor público, o diabo mora nos detalhes. Como fazer? Propostas estapafúrdias aparecem nesses momentos, como a de reduzir o ICMS sobre o preço dos combustíveis. Além da impropriedade de usar tributos sobre o consumo com tal finalidade, a medida agravaria a já crítica situação dos Estados e municípios, os donos do ICMS – pontua Maílson da Nóbrega. Quanto ao emprego de royalties do petróleo da União, que é defendido como alternativa, Maílson alerta que há um teto de gastos federais, previsto na Emenda Constitucional de número 95, de 2016. “Caso isso fosse adotado, haveria uma despesa, obrigando a redução de outros gastos, muito provavelmente dos já exíguos investimentos.Cairia o potencial de crescimento da economia”, analisa.
Mais grave, ainda, de acordo com o ex-ministro, seria neutralizar o papel fundamental do sistema de preços em uma economia de mercado como a brasileira. “Ao emitirem sinais aos agentes econômicos, os preços contribuem para organizar a atividade na área, coordenando decisões de consumidores e produtores. O consumo de um bem costuma diminuir quando seu preço aumenta. Com a atuação do Fundo, o preço emitiria sinais errados aos consumidores, induzindo-os a manter o ritmo de consumo de um bem que ficou mais caro para o país”. Maílson acentua que o Fundo poderia servir apenas para casos de volatilidade excessiva dos preços dos combustíveis, que é ruim para a economia. Mesmo assim, oscilações tenderiam a ser passageiras, dada a situação atual de oferta maior do que a demanda no mercado internacional de petróleo.
Nóbrega foi ministro da Fazenda do governo José Sarney e atualmente presta consultoria econômica em São Paulo. Segundo o economista, ainda que houvesse uma guerra aberta entre os Estados Unidos e o Irã, pouco provável neste momento, o que acarretaria uma alta permanente do petróleo, seria sábio deixar que seu novo preço exercesse a função básica de alterar o comportamento dos consumidores, inclusive em relação a bens que ficariam mais caros com a elevação dos fretes e o uso do petróleo em outros produtos. Nóbrega conclui afirmando que o governo poderia extrair lições das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio. “Quando o dólar sobe, o BC age apenas para reduzir a excessiva volatilidade, nunca para interferir no preço natural da moeda. Essa ação, relativamente simples e instantânea, é exercida via umgrupo reduzido de instituições financeiras. Nada a ver com a complexidade que caracterizaria a operação de um Fundo para intervir no preço dos combustíveis. Por tudo isso, o governo faria bem se desistisse da ideia, a qual, de resto, provavelmente não tem paralelo em outros países”.