Nonato Guedes
Na entrevista que concedeu a UOL Notícias, bafejado pelos ares da liberdade a que foi devolvido, embora ainda tenha processos a responder na Justiça e teoricamente seja inelegível para a eleição presidencial de 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deitou falação sobre todos os assuntos a respeito dos quais julga ter opinião formada e domínio de causa. No embalo típico de quem lambe a cria, teorizou sobre cenários institucionais e políticos e exercitou à larga o seu esporte predileto – a vitimologia, pondo-se como alvo gratuito de perseguição cujo algoz maior – adivinhem! – é o ex-juiz Sérgio Moro, ainda ministro da Justiça de Bolsonaro, que o condenou à prisão.
Com sua proverbial capacidade de prestidigitação, Da Silva deu um jeito de enxertar a situação política da Paraíba no contexto nacional, aludindo a acusações contra o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) no bojo da Operação Calvário que trata de desvio de recursos da Saúde e Educação, recebimento de propinas e outras falcatruas apontadas pelo Ministério Público com base em acuradas investigações e no extrato de delações premiadas. Quem lê nas entrelinhas a entrevista do “pajé” petista percebe, sem muito esforço, que o ex-presidente foi dúbio e extremamente cauteloso ao comentar o rol de denúncias contra Coutinho e um punhado de remanescentes dos seus governos no Estado.
Aspas para o oráculo petista Luiz Inácio Lula da Silva: “Ricardo Coutinho pode sair mais forte se for mentira o que estão fazendo contra ele”. Não é, claramente, uma declaração incisiva, que exprima convicção ou convencimento sobre a inocência do ex-governador da Paraíba. Da Silva até que se esforça para conceder a Coutinho o beneplácito da dúvida. E faz uma algaravia ao comparar, guardadas as proporções, o novelo que se desenrola na pequenina Paraíba com sua situação pessoal, indiscutivelmente mais complicada porque envolve mega-transações associadas a lavagem de dinheiro, tráfico de influência e suspeitas de corrupção. Pelo raciocínio do “pajé”, o que cabe, em tais circunstâncias, é contestar os autos dos inquéritos e desmascarar as suspeitas provas arguidas, por mais consistentes que elas aparentem ser. Em suma, negar sempre e resistir idem. De quebra, se possível, massificar narrativas conspiratórias para sensibilizar a opinião pública, ainda que brigando com fatos e insultando a inteligência mediana das pessoas.
Lula continua o de sempre, assumindo-se como “o cara”, na reminiscência de um dito aleatório que o ex-presidente americano Barack Obama lhe pespegou quando ainda não era intenso o pipoco dos escândalos do mensalão e do petrolão que mancharam inelutavelmente a biografia do líder petista, desconstruindo a aura do metalúrgico ou do retirante nordestino que ascendeu à Presidência da República. Como sempre jurou que não sabia de nada, apesar dos indícios de estar por trás de operações maquiavélicas que custaram caro aos cofres públicos, Lula estende o conceito para discípulos amestrados como Ricardo Coutinho, que como governador deu-lhe escolta e cobriu-lhe de honras na visita a obras da transposição do rio São Francisco em municípios do cariri paraibano, a que se incorporou a ex-presidente Dilma Rousseff, arauta da teoria do golpe refletido no processo de impeachment que se originou de pedaladas fiscais reprovadas pelo Tribunal de Contas da União, entre outras irregularidades.
Política enseja traições mas também oportuniza gratidão. Da Silva procura fazer a segunda parte com relação ao ex-governador paraibano como reconhecimento pela atitude de Ricardo de se reaproximar do PT deixando para trás o doloroso processo de queimação e quase expulsão, um verdadeiro moedor de carne a que foi submetido quando intentou sair candidato a prefeito de João Pessoa no início dos anos 2000. O paredão petista tupiniquim chegou a acusá-lo de infidelidade partidária e previamente rifou qualquer pretensão que Ricardo pudesse levar adiante no interior da legenda, numa quadra em que ela era dominada por forte sectarismo de correntes deslumbradas com a utopia de estarem construindo algo diferente, revolucionário, na história política brasileira. Ricardo voltou-se para o PT aproveitando o desgaste da legenda, que na Paraíba, em 2018, não elegeu nenhum deputado estadual. Mas o sonho de voltar a ser candidato a prefeito de João Pessoa está sendo arquivado por razões óbvias – e o PT, que é tão pragmático quanto o DEM, procura com uma lupa alternativas dentro das suas próprias fileiras.
A parceria Lula-Ricardo comove. Mas não convence!