Nonato Guedes
Porta-voz disciplinada dos recados do “pajé” Luiz Inácio Lula da Silva, a deputada Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, já está sinalizando que o partido pode apoiar uma chapa Flávio Dino (PCdoB)-Fernando Haddad à sucessão de Jair Bolsonaro em 2022. Dino é governador do Maranhão e tem se colocado na linha de frente dos governadores do Nordeste que fazem oposição a Bolsonaro, tanto que foi citado de forma pejorativa pelo capitão reformado. Gleisi justifica que o comunista tem sido correto para com Lula, mormente no episódio da prisão dele – o que soa como mensagem subliminar para Ciro Gomes, do PDT, que assim reagiu, certa feita, em momento de pavio curto: “O Lula está preso, babacas!”, Ciro, independente da grosseria, nunca foi confiável ao petismo, que foge dele como o diabo foge da cruz.
Dino é um comunista moderno, que tem um discurso mais focado nas questões nacionais e, em particular, do Nordeste, do que em contendas ideológicas. Tem a desvantagem de não ser massificado fora dos limites da região onde reside e atua, o que quer dizer que enfrentará dificuldades para penetrar em centros influentes como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas não deixa de ser uma novidade o fato de o PT estar admitindo ceder a cabeça de chapa, até porque nas eleições municipais deste ano a recomendação expressa do “pajé” Lula é o lançamento de candidaturas próprias em Capitais e cidades médias. Ao abrir mão de encabeçar uma chapa presidencial, o PT estaria passando recibo de que Lula é, mesmo, inelegível para 2022 e, portanto, de forma pragmática, a aposta seria em outro nome, até mesmo de outro partido. Mas é pertinente a dúvida sobre se a declaração de Gleisi seria blefe ou pragmatismo. Afinal, Fernando Haddad, que em 2018 sofreu sua primeira derrota, mas teve boa performance, ainda estaria disponível para outro embate difícil, com Bolsonaro. O que não lhe apetece, pelo que já deu a entender, é ser novamente candidato a prefeito de São Paulo, posto em que se desgastou bastante.
Enquanto a esfinge não é decifrada, cabe notar que com seu feeling político o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está aproveitando a temporada de liberdade para costurar acordos políticos e repassar diretrizes com força de mantra para vigorarem na grande disputa que interessa ao petismo – a de presidente da República. Desse ponto de vista, Gleisi Hoffmann terá dado um outro recado ao dizer que, no PT, Lula é “insubstituível” como candidato. O “pajé” não quer perder tempo testando balões de ensaio que no frigir dos ovos serão simbólicos. A Lula, o que interessa é participar do jogo para ganhar e defenestrar Bolsonaro e seus parceiros da extrema-direita. Lula é muito profissional em situações assim. Ficou escolado com derrotas e lamenta o espaço jogado fora em termos de prestígio e liderança quando do estouro de escândalos como o mensalão e o petrolão, que feriram de morte a ética petista. Subsidiariamente, houve o impacto produzido pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que o partido tentou capitalizar com a narrativa do golpe mas da qual foi se distanciando à medida que a figura de Dilma se apequenava perante a História, pelo seu próprio despreparo.
Os petistas já sentiram que o “pajé” não saiu da carceragem da Polícia Federal em Curitiba apenas para tomar banho de mar e namorar com Rosângela da Silva, a “Janja”, que conheceu dentro do presídio. Lula está usufruindo isso mas quer mais: quer reestruturar o Partido dos Trabalhadores, tentando a todo custo recuperar alguma coisa daquela agremiação que foi fundada em 1980 no Colégio Sion em São Paulo, que despertou o interesse de intelectuais e atraiu o ódio das elites e de alguns partidos tradicionais e que finalmente chegou ao poder, primeiro com Lula, consagrado duas vezes. Lula quer infundir nos corações e mentes de seus discípulos que a chama ainda está acesa e que é possível torná-la ardente para aquecer os futuros embates. Na pior das hipóteses, de nada der certo conforme o combinado ou o que foi pensado, o PT terá a alternativa de safar-se perante o grande público atribuindo culpa ao candidato Flávio Dino ou outro que não tenha o DNA petista e que venha a liderar a chapa.
Lula é maquiavélico o bastante para se utilizar de interpostas pessoas e legendas como trampolim para dar sobrevida ao Partido dos Trabalhadores, sua maior obra até aqui consignada. O “pajé” não aprofundou leituras de Maquiavel, nem ao longo da trajetória de militante, muito menos no período em que ficou preso na carceragem da PF em Curitiba. Ele opera intuitivamente – é assim que se deixa impulsionar e tem a firme convicção de que agindo assim o vento soprará a favor do PT. Não quer dizer que esteja inteiramente sintonizado com a conjuntura ou que esteja captando corretamente os sinais emanados das ruas. Mas também não está mais isolado de contatos nos quais possa obter as informações que deseja. Se tiver que voltar para a cadeia, ele deixará o desenho montado. E, dentro da carceragem, rezará para que o desenho seja perfeito como uma obra de arte. A conferir, por óbvio!