Suetoni Souto Maior – Jornal da Paraíba
A juíza federal Cristiane Mendonça Lage rejeitou denúncia contra o ex-secretário de Infraestrutura de João Pessoa, Cássio Andrade, e mais cinco acusados em suposto esquema de superfaturamento nas obras da Lagoa. Para a magistrada, o Ministério Público Federal não conseguiu comprovar as alegações de desvio de recursos públicos na execução na execução da obra pela Prefeitura de João Pessoa.
“Para se atender à determinação do art. 41 do CPP (Código do Processo Penal) de esclarecimento minudente dos fatos, não basta à denúncia fazer menção à existência de um laudo pericial que conclui ter havido “X” reais de superfaturamento, mas nada explicar sobre as supostas irregularidades detectadas pelos peritos que levaram a esta conclusão”, diz um dos trechos da denúncia.
A magistrada diz ainda sobre a denúncia, que ao se referir aos laudos periciais constantes do IPL (inquérito policial), limita-se a dizer que a obra custou mais caro do que o estimado pelos peritos, e que a maior parte do custo da obra se refere ao item 4.2. “estaca hélice contínua”. Além de Cássio, haviam sido denunciados Eduardo Ribeiro Victor, Marcos César Bezerra do Nascimento, Eugênio Régis Lima e Rocha, Maria da Penha Xavier de Brito e Evaldo de Almeida Fernandes.
Denúncias
A denúncia formulada pelo Ministério Público Federal alegava que teria havido desvio de recursos públicos federais. A beneficiada com o esquema seria a empresa Compecc Engenharia, Comércio e Construções Ltda. O desvio teria como base o superfaturamento da obra de construção de muro de contenção no Parque Solon de Lucena, obra finalizada em 2016. O prejuízo teria sido de R$ 4 milhões.
Segundo laudo elaborado pela Polícia Federal, somados todos os quantitativos previstos para construção do muro, deveria ter sido gasto R$ 2.606.962,10, mas o valor contratado foi 81% superior. Procurado pelo blog, o ex-secretário de Infraestrutura e hoje coordenador do Patrimônio Cultural de João Pessoa preferiu não se pronunciar sobre o assunto.
Apesar de não ter aceito a denúncia, a magistrada ainda não arquivou o processo. Ela determinou que se cheque se haverá nova denúncia por parte do Ministério Público Federal ou eventual recurso da decisão.
Confira abaixo a decisão:
PROCESSO Nº: 0800638-61.2020.4.05.8200 – PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL (PIC-MP)
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e outro
RÉU: CASSIO AUGUSTO CANANEA ANDRADE e outros
16ª VARA FEDERAL – PB (JUIZ FEDERAL TITULAR)
DECISÃO
Trata-se de denúncia oferecida pelo MPF contra CÁSSIO AUGUSTO CANANÉA ANDRADE, EDUARDO RIBEIRO VICTOR, MARCOS CÉSAR BEZERRA DO NASCIMENTO, EUGÊNIO RÉGIS LIMA E ROCHA, MARIA DA PENHA XAVIER DE BRITO e EVALDO DE ALMEIDA FERNANDES, imputando-lhes a prática do delito tipificado no art. 312 do Código Penal.
Segundo a denúncia:
denunciados de desviarem recursos públicos federais oriundos do contrato de repasse 01003534-18/2012 – Siafi 782223, em favor da empresa COMPECC Engenharia, Comércio e Construções Ltda., mediante superfaturamento da obra de construção de muro de contenção no Parque Sólon de Lucena (objeto do IPL 154/2016), no valor de R$ 4.053.429,56, constatado nos laudos 263/2017 e 640/2018 da polícia federal;
laudo 263/2017 apontou ocorrência de sobrepreço tanto na planilha contratual referente ao contrato 07.020/2015/SEINFRA (João Pessoa e COMPECC), quanto na anterior planilha orçamentária elaborada pelo Município de João Pessoa e que serviu de base para a concorrência pública 33005/2015/SEPLAN;
segundo laudo 263/2017, somados todos os quantitativos previstos para construção do muro, deveria ter sido gasto R$ 2.606.962,10, mas o valor contratado foi 81% superior;
do valor total da obra, 92,66% se refere o item 4.2 (estaca hélice contínua), cuja composição de preços foi elaborada por MARIA DA PENHA, diretora de orçamentos e projetos da SEINFRA;
a planilha orçamentária base foi analisada e teve anuência de EVALDO, engenheiro da Caixa;
o denunciado EUGENIO atuou como fiscal na obra referente à concorrência pública 33005/2015/SEPLAN
quando da execução da obra referente ao contrato 07.020/2015-SEINFRA que ocupava o cargo de diretor de obras era o engenheiro MARCOS CÉSAR, o qual assinou boletins de medição da obra, inclusive boletim 4, trazendo o comprimento medido e pago do serviço de estaca de hélice contínua;
o Secretario de Infraestrutura e ordenador de despesas da Prefeitura na época era CÁSSIO;
o responsável pela administração da empresa que executou a obra era EDUARDO;
alguns fatos mostram estreita relação entre a empresa executora da obra e Administração Municipal, notadamente com CASSIO, a reforçar o dolo: na fase licitatória, apesar de 15 empresas terem adquirido edital da concorrência 33005/2014, apenas COMPECC compareceu; anotações na agenda do engenheiro Glauco da COMPECC sobre valores de estacas muito próximos aos contratados com sobrepreço n ano de 2015, indicando que a referida empresa teve prévio conhecimento da composição do custo de execução de estaca do tipo hélice contínua; EUGENIO, mesmo tendo trabalhado como fiscal da prefeitura, entre 2015/2016, enquanto a obra da Lagoa estava sendo executada, teria prestado serviços particulares para a COMPEC, elaboração de laudo técnico para obra da empresa em Aracaju/SE, tendo recebido dez mil reais; Luciana Torres Maroja Santos, esposa de CÁSSIO, é engenheira da Caixa e coordenadora do acompanhamento da execução dos contratos de repasse de recursos do governo federal; funcionário da COMPECC durante toda obra, Marcos Rodrigues dos Santos Junior, é casado com Flaviana Torres Maroja Santos, irmã da engenheira Luciana e, portanto, cunhada de CASSIO. Após término da obra, Marcos Rodrigues passou a trabalhar como assessor na SEINFRA
Decido.
Para se atender à determinação do art. 41 do CPP de esclarecimento minudente dos fatos, não basta à denúncia fazer menção à existência de um laudo pericial que conclui ter havido “X” reais de superfaturamento, mas nada explicar sobre as supostas irregularidades detectadas pelos peritos que levaram a esta conclusão.
A denúncia, ao se referir aos laudos periciais constantes do IPL, limita-se a dizer que a obra custou mais caro do que o estimado pelos peritos, e que a maior parte do custo da obra se refere ao item 4.2. “estaca hélice contínua”.
Especificamente quanto ao item “estaca hélice contínua”, ao ler o laudo 263/2017 , constato existir menção dos peritos de divergência entre o custo de mercado por metro de estaca de hélice contínua e o preço contratado; além disso, há questionamento quanto à produtividade da perfuratriz e consequente produção/hora do maquinário. Mas estes aspectos não são mencionados na denúncia.
Insuficiente a denúncia mencionar impactante número do suposto prejuízo causado, já que para os denunciados se defenderem – e para que este Juízo possa trazer a lume estas questões na fase de instrução – deve constar da acusação quais fatos levaram os peritos a chegar àquele número.
Veja-se que, ao se ler a denúncia sem se recorrer ao laudo pericial, não se compreende sequer porque estão inclusos tantos os denunciados que atuaram por ocasião de elaboração de orçamentos, tanto quanto os denunciados que fiscalizaram a execução da obra. Pode-se até se presumir o motivo, mas isso não basta para admissão de uma denúncia hígida.
A admissão na lide dos réus aferidores de orçamento – MARIA DA PENHA e EVALDO – deve ser justificada pelo apontamento preciso na denúncia de que eles porventura tenham orçado o serviço em preço maior do que o real, assim como os critérios que a perícia usou para chegar ao seu preço. Mas a conduta destes denunciados não está explicitada, limitando-se a denúncia a esclarecer que MARIA DA PENHA era diretora de orçamentos da SEINFRA e que EVALDO , engenheiro da Caixa, anuiu com o orçamento.
Também não há relato na denúncia de que tenha havido incompletude na execução da obra, a justificar a atribuição de responsabilidade dos engenheiros que a fiscalizaram. Quanto a EUGENIO foi dito apenas que era engenheiro fiscal, sequer se mencionou se porventura assinou algum boletim de medição. Quanto a MARCOS CÉSAR, a denúncia não informa qual a imprecisão no boletim de medição por ele assinado.
Enfim, a denúncia, por excesso de concisão no que lhe é fundamental, não abre espaço para compreensão do que teria ocorrido na obra a causar superfaturamento. Dificulta a defesa dos denunciados e impede que este Juízo se aprofunde na instrução.
ISSO POSTO, REJEITO a denúncia, na forma do art. 395, I, do CPP.
Antes do arquivamento, monitore e certifique a Secretaria se haverá oferta de outra denúncia e/ou recurso a esta decisão pois, do contrário, haveria arquivamento implícito.
Juíza Federal CRISTIANE MENDONÇA LAGE
Substituta, na Titularidade