No primeiro caso concreto da atual legislatura de análise de suspeita de corrupção contra um de seus membros, o plenário da Câmara dos Deputados anulou, ontem, a decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou do mandato o deputado federal Wilson Santiago, do PTB da Paraíba. O atual Congresso foi eleito, majoritariamente, por uma onda que tinha entre suas principais bandeiras a do combate implacável à corrupção. O placar mostrou apenas 170 votos favoráveis à decisão do STF – eram necessários ao menos 257 – e 233 contrários, em consonância com o relatório do deputado Marcelo Ramos, do PL-AM. Houve 7 abstenções e 102 ausências que contaram, na prática, a favor de Santiago.
A discussão sobre manter ou não o afastamento do petebista envolvia discussões políticas e jurídicas. Decisões do Supremo Tribunal Federal de afastar parlamentares do mandato são controversas, especialmente se tomadas por um único ministro, sem que houvesse condenação, como no caso de Wilson Santiago. Por outro lado, defensores do afastamento apontavam riscos às investigações. A decisão da Câmara foi precedida de uma longa reunião entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM-RJ, parlamentares do Centrão e a área técnica. A posição de que eram necessários pelo menos 257 dos 513 votos para a manutenção do afastamento foi anunciada por Maia no plenário após a reunião. Ele submeteu a voto o seu entendimento que foi mantido por 407 votos contra 5.
O presidente da Câmara chegou a ameaçar adiar a votação em razão dos ausentes, mas acabou voltando atrás. Na tentativa de amenizar o desgaste da decisão, deputados decidiram apoiar o envio de uma representação contra o petebista ao Conselho de Ética da Câmara. Diferentemente da decisão do STF, porém, um processo no Conselho de Ética pode durar meses e, em caso de condenação, não resulta necessariamente na cassação. A palavra final cabe, sempre, ao plenário da Casa. Santiago foi afastado do mandato no final de dezembro de 2019 em decisão do ministro Celso de Mello, decano do STF, sob o argumento de que sua manutenção no cargo representava ameaça às investigações. O parlamentar é acusado pelo Ministério Público de desviar verbas de obras contra as secas em Uiraúna, no sertão da Paraíba. Contra ele há vídeos gravados pela Polícia Federal indicando a suspeita de que propina foi entregue em seu gabinete e em seu apartamento. Durante busca em sua residência em João Pessoa, a Polícia Federal encontrou um aparelho celular escondido em uma caixa de remédio, dentro de um frigobar. Apesar do temor do desgaste que a decisão pode provocar na opinião pública, houve um movimento liderado pelos partidos do Centrão (PP, PTB, SD, entre outros), para livrar Santiago sob o argumento de que não há amparo legal no afastamento de um parlamentar por uma decisão monocrática de um juiz, feita de forma cautelar, sem que haja condenação.
A medida foi apoiada, inclusive, por integrantes da oposição, como do PT e do PCdoB, unindo alguns partidos antagônicos na mesma decisão. “É uma verdadeira carta branca que está a se dar a todos os juízes, de todas as instâncias, para cassar mandato parlamentar”, discursou, no plenário, o advogado de defesa de Santiago, Luís Henrique Machado, o mesmo que defendeu Renan Calheiros (MDB-AL) na época em que houve uma ameaça de afastamento do então presidente do Senado por parte do STF. Mesmo afastado, Santiago estava no plenário da Câmara, mas não quis discursar durante a sessão. Rodrigo Maia refutou que a decisão da Câmara reflita impunidade. “Alguns podem pensar: “mas é para fazer a pizza, né?Para nada caminhar”. Mas, hoje em dia é com o voto aberto”. Além de Santiago, são citados no processo o prefeito de Uiraúna, João Bosco Nonato Fernandes (PSDB), flagrado escondendo maços de dinheiro na cueca, e mais cinco pessoas.