Kubitschek Pinheiro
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Em dias de sol, vi um velho lendo “Os Irmãos Karamazovs”, de Dostoievski e uma jovem linda e seminua, lendo “O Monte dos Vendavais”, de Emily Brontë. Nada modernos. Sem os clássicos não se chega a lado algum. Ou, se se chegar, chega-se de forma trôpega, enviesada e tediosa.
A vida nos ensina a flanar em lugares públicos dias que nascem mortos, dias menos bons, dias satisfatórios e, muito esparsamente, dias mágicos que compensam toda a apagada e vil tristeza dos demais. O livro é uma mulher, eu sei.
Não perde-se no tempo uma pessoa que ler, que por si já é um incentivo a outras, muitas, que surgem e morrem paradas, como se aqui “jazz” se tratasse.
Não é nenhum ou qualquer um que precise de impulso ou uma certa malícia, digo cutucada para que adquira o hábito da leitura. Se levanta dessa poltrona, que o importante é ser fevereiro.
Um bom livro de um fôlego só, ( é preciso ter fôlego), sem cortes, diretamente para a trama, um livro cinema e o que se nota sempre que se dá por algo por prazer que está no olho da luz, que reluz aos olhos daquele discurso do narrador. A dor e a beleza diagonal de cada personagem. Tanto amor pelos livros.
É tão delicado e tão voraz a evocar o seu conteúdo, quão bela é aquela mulher macia que me olha na fila do self-service, no jogo dos pratos que ela representa. Eu estou com ela, com ele, só dela, só dele, o livro.
E o que de mais persuasivo isto possui é que está em Proust, Baudelaire, Rimbaud, ou só muito obliquamente se refere ao assunto que aparenta ser a razão de ser de cada um dos temas, nos poemas de João Cabral de Melo Neto, forte como a efêmera permanência de Chico Science.
Claro que o que não lê sabe que outro tipo de abordagem será guiada, quiçá, pela tepidez, a tragédia, o correr o risco de falhar o alvo, de não saber se comportar diante do outro; a idiotice ou a língua sempre afiada a falar mal dos outros.
Quem tanto ler, tanto cultiva até absorver demasiada música para que qualquer forma canônica, de que se socorre mais não seja por mera curiosidade. Tudo isto chega aos meus ouvidos de modo sem deixar brecha para a cafonice, a caretice, a mesmice, rumo ao que um dia já gozou lendo, relendo e que decisivas relações se estabeleçam entre aqueles que o compõem e os sabem o caminho da livraria onde o livro é uma mulher, só passa quem souber.
#Coimbra
Ontem eu sonhei com a ilustração de hoje, a Tricana de Coimbra.