Nonato Guedes
Segunda-feira o Partido dos Trabalhadores completa quatro décadas de existência. Fundado no colégio Sion em São Paulo, na região do ABC, que é tida como berço do outrora atuante sindicalismo de porta de fábrica, o PT avança na longevidade exibindo a face negativa, a da perda de vergonha, que se acentuou com a chegada ao poder, a partir de 2003, marco da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, a única estrela de uma legenda que nunca fez autocrítica para valer sobre os erros cometidos. Isto, aliás, foi alertado em entrevista a UOL, reproduzida pelo site “Os Guedes”, concedida por Tarso Genro, que presidiu interinamente a legenda num ano particularmente crítico, o do mensalão, em 2005.
Foi o episódio do mensalão – traduzido pelo pagamento de “mesada” a parlamentares de vários partidos em troca de apoio político ao governo de Lula no Congresso o ponto de partida para ferir de morte a credibilidade do petismo e jogá-lo na mesma vala comum habitada por políticos viciados, filiados a partidos oportunistas, que o PT sempre criticou, pretextando ser diferente. Rasgada a carta ética do PT, da forma mais vexatória possível, com filiados ilustres sendo flagrados carregando dinheiro na cueca, o partido mergulhou num caminho sem volta, trocando as páginas políticas pelas páginas policiais. Seguiram-se, como se sabe, outros escândalos, de dimensão graúda, como o do “petrolão”, e ao invés de marcarem frequência no Congresso ou em outras Casas Legislativas, petistas entupiram prisões, inclusive, a grande estrela, recolhida durante 580 dias a uma sala da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, envergando acusações como a de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O PT, como bem acentuou Tarso Genro, nem fez autocrítica e nem atualizou suas propostas ou seu estilo de operar no cenário político brasileiro. A realidade social e econômica do Brasil mudou radicalmente, experimentando guinada ideológica à direita, como ficou patente na vitória do capitão Jair Bolsonaro, e o PT não se preocupou em estudar a nova conjuntura, aferrando-se a bandeiras que estão esfarrapadas por não se adequarem às exigências da contemporaneidade. Da mesma forma como não se preparou para chegar ao poder, como me confessou em Brasília um aflito deputado mineiro petista, a propósito de um dos segundos turnos a que a legenda foi alçada, o PT não se educou para a verdadeira convivência democrática. Política de alianças, por exemplo, nunca foi o seu forte. Mesmo quando teve que ceder, sempre garantiu a cabeça de chapa, ainda que não tivesse condições concretas de vitória, como se deu em 2018 com a candidatura de Fernando Haddad, em si mesmo desgastado pela atuação pífia na prefeitura de São Paulo e no ministério da Educação.
Depois que chegou ao poder, o PT cuidou, também, de se distanciar dos movimentos sindicais ou de mobilizações sociais que passaram a incorporar outras categorias no extrato médio da sociedade brasileira, com pautas reivindicatórias específicas, a exemplo dos caminhoneiros. O PT-poder não se preocupou em investir no diálogo ou na interlocução com porta-vozes e representantes desses movimentos e, com isto, abriu espaço para o apartidarismo de alguns e para a vinculação de outros a partidos que se declararam de centro-esquerda. Na política, como de resto, na vida, não há espaço vazio, e quando o PT precisou correr em busca de adesões que o energizassem novamente, já não mais pôde contemplar o peso das grandes mobilizações.
Dois episódios foram particularmente emblemáticos da distância que passou a haver entre PT e movimentos sociais: o impeachment de Dilma Rousseff, quando exercia o segundo mandato de presidente da República, e a própria prisão de Lula. Esta ainda gerou comoção porque Lula, esperto, montou “bunker” de resistência no Sindicato dos Metalúrgicos e chamou a atenção, de modo que uma parede humana se ergueu para impedir que ele fosse alcançado pelo braço da Lei. Inutilmente, como se viu, porque no final das contas Da Silva negociou sua rendição à Polícia Federal, passando a cumprir rotina em Curitiba. Quanto ao impeachment de Dilma, atribuiu-se a ausência de mobilização à dificuldade da ex-presidente de dialogar com a sociedade. Esta é a pecha que o próprio PT colou na imagem da ex-mandatária, pouco preocupado com a sorte de Dilma, hoje uma petista errante obcecada pela narrativa do “golpe” que ofusca as pedaladas fiscais e outras irregularidades cometidas em seu governo.
40 anos de existência. Para onde vai o PT? Não dá para fazer prognóstico, arriscar palpite. Mas, por via das dúvidas, convém que o partido seja avisado de que já não subsiste mais a polarização com o PSDB e que o cenário atual comporta outros atores, forjados nas franjas do próprio petismo, como um certo Guilherme Boulos, barbudo como Lula, mas alojado no Movimento dos Sem Teto – de feições urbanas, diferente, na essência, do Movimento dos Sem Terra, que o PT tanto incentivou e que saiu das entranhas da maltratada zona rural brasileira.