Nonato Guedes
Um depoimento do ex-deputado federal Luiz Couto, atual secretário do governo João Azevêdo (Cidadania), constante do livro “O Partido dos Trabalhadores e a política na Paraíba: construção e trajetória do partido no Estado”, de Paulo Giovani Antonino Nunes, é valioso para retratar o nascedouro do PT na Paraíba, que se deu em agosto de 1980, cinco meses depois da fundação do partido a nível nacional, ocorrida em São Paulo a 10 de fevereiro daquele ano, completando-se amanhã, portanto, 40 anos da fundação da legenda que tem como ícone o ex-presidente Lula da Silva. Couto lembra a predominância de sindicalistas, chegando a dizer que eles constituíram o principal grupo político presente na fundação. Também houve participação de organizações ligadas à Igreja Católica, que, com o tempo, se distanciaram da militância na legenda.
Com relação aos parlamentares, nunca tiveram uma posição de preponderância no Partido dos Trabalhadores, diversamente do que geralmente ocorre nos outros partidos brasileiros, revela Paulo Giovani, salientando que o parlamentar petista era visto no partido como um militante, igual a todos os demais, que deveria não somente subordinar-se politicamente às diretrizes partidárias como ainda contribuir decisivamente para a sobrevivência do PT enquanto a organização. Os parlamentares foram obrigados ao dar ao partido significativa contribuição, correspondente a 30% de seus vencimentos, bem como ceder funcionários remunerados dos gabinetes para trabalhar na agremiação. O autor do livro interpreta esse comportamento como demonstração de força da organização partidária diante de seus representantes no Parlamento.
Paulo Giovani Antonino transcreve trecho de resolução do terceiro encontro nacional do PT realizado em abril de 1984, segundo a qual o partido deveria, com relação aos seus próprios parlamentares, “estabelecer critérios que norteiem a sua atuação no Parlamento e as suas relações com o próprio partido”. O parlamentar petista, enfatizava a resolução, não deveria ter privilégios dentro da agremiação por ser um parlamentar, “mas também não deve, pela mesma razão, ser discriminado, combatido, penalizado ou visto como corpo estranho ao partido. O parlamentar petista é um filiado do PT como qualquer outro e, como tal, temos os mesmos direitos e deveres”. Tal rigor, supõe-se, desestimulou candidaturas de pessoas que se sentiam atraídas pela proposta de partido recém-nascida, mas que não aceitavam submeter-se a normas ditadas por dirigentes que não haviam passado pelo teste das urnas.
O próprio Luiz Inácio Lula da Silva, que dizia rejeitar qualquer tipo de militância política, foi convencido a ser candidato a deputado federal, elegendo-se por São Paulo, embora tendo uma atuação pífia na Câmara, em Brasília. Ele também disputou o governo paulista, como estratégia para dar visibilidade ao partido e ocupar espaços na faixa de esquerda, então pulverizada e politicamente amorfa na fase de reabertura que se seguiu ao ocaso da ditadura militar instaurada no país em 1964. A mesma resolução do terceiro encontro nacional definia as funções básicas de um parlamentar petista: a sua intervenção política, no Parlamento, em favor dos trabalhadores; a sua atuação permanente em benefício dos movimentos populares dos quais era representante e as suas tarefas imprescindíveis na construção e no fortalecimento do partido.
Registra Paulo Giovani que a tentativa das direções partidárias de impor suas decisões sobre a atuação dos membros eleitos do PT, tanto para cargos no legislativo como no executivo, foi motivo de crises entre a agremiação e os eleitos. O caso mais dramático citado por ele foi a saída de alguns deputados federais que se recusaram a seguir a orientação partidária de votar nulo nas eleições indiretas de 1985 para presidente da República, quando concorreram Tancredo Neves (PMDB) e Paulo Maluf (PDS). Mesmo que, com o passar do tempo, os ocupantes de cargos eletivos tenham conquistado mais autonomia, ainda assim – descreve Giovani –permaneceu o traço genético de partido de origem externa, orientado mais pela lógica societária da organização extra-estatal do que por uma atuação intra-institucional. Assim é que sucederam-se várias crises entre o partido e seus representantes para cargos executivos e legislativos durante toda a década de noventa, quando o partido conquistou várias prefeituras, alguns governos de Estados e um grande número de parlamentares.
Na opinião de Couto, a relevância dos parlamentares era considerada em virtude do aporte material que estes deram ao partido em seus primeiros momentos. “Mas não é possível deixar de reconhecer que: primeiro, tiveram um peso menor nos primeiros momentos da agremiação em comparação com as lideranças sindicais, movimentos sociais e esquerda organizada; segundo, desempenhavam um papel claramente subordinado a essas lideranças nos primeiros momentos do partido”, definiu Paulo Giovani Antonino Nunes. Era a época em que o PT ainda não tinha descoberto coisas como mensalão, petrolão e dinheiro na cueca.