Nonato Guedes
O economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, avalia que o governo do presidente Jair Bolsonaro não constitui ameaça à democracia brasileira, como apregoam alguns setores da opinião pública. “Ele está limitado pelos freios e contrapesos da democracia. E tem, felizmente, a virtude de recuar, como no caso da performance nazista do ex-secretário de Cultura Roberto Alvim, demitido logo após reações negativas da sociedade”, salienta Nóbrega, em seu artigo na revista “Veja”. Para Maílson, quando comparado a outros presidentes em primeiro ano de mandato, Bolsonaro é campeão em medidas provisórias. No entanto, essas medidas perdem validade em derrubada de vetos pelo Congresso ou em derrotas no Judiciário.
Sob o título “Leviatã algemado”, Maílson explica que a impressão de ser Bolsonaro uma ameaça à democracia decorre de atitudes autoritárias, da intolerância, dos ataques à imprensa, da negação da ditadura militar e do elogio aos torturadores e ditadores. Lembra que a revista The Economist, na edição de 22 de setembro de 2018, enxergou ameaça à democracia na América Latina. “Ao que parece, Bolsonaro não entende as funções e os limites do cargo. Até aqui, todavia, tem se submetido ao controle das instituições, entre elas a imprensa vigilante e independente. Ele emite decretos inconstitucionais, que são barrados no Congresso ou no Judiciário. Baixa medidas provisórias, que violam contratos, que são rejeitadas pelo Legislativo. De quebra, enxerga o comunismo em cada esquina. Fantasia!”, analisa Nóbrega.
O ex-ministro cita uma analogia apropriada para a situação de Bolsonaro que pode ser encontrada na recente obra de Daron Acemoglu e John Robinson (The Narrow Corridor – States, Societies, andthe Fateof Liberty, 2019). Eles analisam o Estado – a que denominam Leviatã, como na obra de Thomas Hobbes, em três situações. Primeira, a do Leviatã ausente, típico de sociedades sem lei e sem ordem, em que vigora a anarquia e onde Hobbes diz haver “continuado medo e risco de morte violenta. A vida do ser humano é solitária, pobre, desagradável, brutal e curta”. A segunda é a do Estado forte, provedor de políticas geradoras de progresso e segurança para os cidadãos, mas que podem evoluir para o despotismo, configurando ameaça. A terceira é a do Estado algemado (schackled), o qual é forte quanto for necessário, porém, controlado por uma sociedade igualmente firme.
– Entre os dois extremos – enfatiza Maílson – há um corredor estreito em que o Estado e a sociedade estão em equilíbrio. O poder do Estado é contrabalançado pela capacidade do povo de mobilizar-se para “reclamar, participar de demonstrações e até rebelar-se se ele (o Estado) exceder seus limites”. O foco do livro é a liberdade, derivada de um delicado equilíbrio de poder entre o Estado e a sociedade. Esta é dominante quando o Leviatã está controlado por instituições fortes. Países bem-sucedidos situam-se no corredor entre o Estado despótico e o Estado ausente, mas dele podem ser expelidos por falhas institucionais”.
Maílson conclui: “O livro tem uma perspectiva pessimista sobre a América Latina, baseada em situações da Argentina e da Colômbia. O Brasil não é citado, mas tem tudo para ser um caso de Leviatã algemado. Se os autores avaliarem a solidez de nossas instituições, provavelmente dirão que há riscos para a democracia, mas eles dificilmente se materializarão”.