Nonato Guedes
A insistência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em submeter o campo esquerdista à sua liderança e sobrevivência individual provoca reações entre aliados como o PSB. Uma reportagem de capa da revista “Veja” informa que, livre há três meses, Lula cria atritos com aliados ao pôr seus interesses pessoais e os do PT acima da tentativa de formação de uma frente ampla para combater o governo de Jair Bolsonaro e outras forças adversárias. Embora na Paraíba o ex-governador Ricardo Coutinho, líder do PSB, seja um defensor intransigente de Lula, no plano nacional a relação do ex-presidente com outros expoentes da esquerda está estremecida. PSB e PSOL, por exemplo, fazem reuniões sem a presença do PT e não escondem críticas ao personalismo de Lula. Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB, comenta, a propósito da insistência de Lula em ser o grande protagonista: “É um direito dele, mas ninguém de fora do PT vai fazer uma defesa apaixonada deles”.
“Veja” lembra que muitos partidos de esquerda também são protagonistas de escândalos de corrupção – na Paraíba, Ricardo Coutinho foi denunciado pelo Ministério Público como suposto chefe de uma organização criminosa que desviou recursos da Saúde e da Educação, daí crescer a avaliação de que esse campo ideológico precisa fazer um mea-culpa e se reformar. O mea-culpa envolveria os desvios bilionários na Petrobras e, em outros casos, até sobre a incapacidade de modernizar o Estado brasileiro por meio de reformas estruturais. Siqueira ressalta: “Temos de compreender o nosso papel na crise econômica e na crise política de representatividade. Não se fez a reforma administrativa, não se fez a reforma tributária, não se fez uma reforma do sistema político e os desgastes foram se acumulando a ponto de chegarmos aonde chegamos. Se não admitirmos que temos responsabilidades sobre a crise, não sairemos do lugar”.
No Recife, a primeira capital onde Lula discursou após sair da prisão em Curitiba, onde passou 580 dias, ocorre um grave imbróglio entre forças de esquerda provocado pela atitude do ex-presidente de querer impor sua vontade contra a da maioria. Na eleição de 2018, Lula ignorou os diretórios locais e impediu a deputada Marília Arraes de concorrer ao governo de Pernambuco para conseguir a neutralidade do PSB, do governador Paulo Câmara, no primeiro turno presidencial de Fernando Haddad. Desta vez, ao contrário do que defendem as instâncias municipal e estadual, Lula anunciou que Marília será sua candidata à prefeitura do Recife, rompendo a aliança com os socialistas, que lançarão João Campos, outro político da família do ex-governador Miguel Arraes. Em uma reunião recente, o senador Humberto Costa (PT-PE) se exaltou e discutiu feio com Marília diante de Lula. “Devemos trabalhar para que a eleição de 2020 seja nacionalizada e priorizar a união da esquerda”, diz Costa. Na principal capital do país, São Paulo, o PT tem hoje sete pré-candidatos, mas Lula tenta impor sua vontade indicando Fernando Haddad, que se recusa a participar da disputa.
“Aos 74 anos – relata a reportagem de “Veja” – Lula hoje não tem o mesmo vigor que tinha na época em que percorria o país em caravanas e greves. Tem dividido o tempo entre as reuniões partidárias e o romance com a nova namorada, Rosângela da Silva. Recentemente, passou a ser remunerado pelo PT por estar com suas contas bloqueadas pela Justiça e utiliza agora um aparelho auditivo para ouvir melhor. Quando nasceu para fazer oposição ao regime militar, o PT representava a vanguarda política e prometia trazer diferentes padrões de ética ao governo. Acabou protagonista de vergonhas nacionais como o mensalão e o petrolão. Lula ainda nutre o sonho de concorrer à Presidência, o que seria possível apenas se derrubasse suas condenações judiciais e inelegibilidade. As chances de isso acontecer são mínimas, mas o ex-presidente quer toda a esquerda de joelhos, enquanto não há palavra definitiva sobre seus recursos. Como agora existe resistência a esse hegemonismo, a esquerda caminha para disputar a eleição dividida e fragilizada. “A história cobrará caro de Lula”, resume Carlos Lupi, presidente nacional do PDT.