Nonato Guedes
No início da tarde de 11 de fevereiro de 2019, o jornalista Ricardo Eugênio Boechat morreu, aos 66 anos, em um acidente de helicóptero na rodovia Anhanguera, em São Paulo. Ele havia participado de um evento do laboratório farmacêutico Libbs, em Campinas, e retornava para o helicóptero da Band, em cujas emissoras de rádio e TV atuava. O piloto Ronaldo Quattrucci também morreu. Boechat, que ganhara prestígio no jornalismo impresso, pelos “furos” de reportagem, e na televisão, pela autenticidade com que opinava sobre diferentes assuntos, credenciou-se no rádio, também pelo estilo independente e destemido. Milhares de pessoas passaram pelo velório no Museu da Imagem e do Som, na capital paulista. Houve carreatas e buzinaços de taxistas, categoria pela qual Boechat tinha um carinho especial.
No livro “Toca o Barco”, histórias de Ricardo Boechat contadas por quem conviveu e trabalhou com ele, ele é descrito como um dos mais brilhantes profissionais de imprensa do país. Testemunhou capítulos importantes da história recente e revelou outros tantos, nos veículos de comunicação por onde passou. “Em meio século – relata o livro – Boechat se tornou referência de credibilidade: produziu notícias que impactaram a vida de uma infinidade de pessoas. Sua morte encerrou prematuramente uma carreira pautada por indignação e paixão”. Em 2016, na sessão que determinou a abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, o então deputado Jair Bolsonaro dedicou seu voto a favor da investigação ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado de ter praticado e comandado torturas no regime militar. Boechat comentou: “Registre-se a infinita capacidade do deputado Jair Bolsonaro de atrair para si os holofotes falando barbaridades sucessivamente (…) Torturadores não têm ideologia. Torturadores não têm lado. Não são contra ou pró-impeachment. Torturadores são apenas torturadores. É o tipo humano mais baixo que a natureza pode conceber. São covardes, são assassinos e não mereceriam, em momento algum, serem citados como exemplo. Muito menos numa casa legislativa que carrega o apelido de Casa do Povo”.
Mesmo no telejornal, com formato mais contido, a irreverência tinha assento na bancada. Em meio à Operação Lava-Jato, depois de uma reportagem em que políticos negavam em uníssono terem recebido dinheiro de empresas, ele pegou o telefone, simulou uma ligação para a mãe e perguntou se era ela quem recebia dinheiro das empreiteiras. “O noticiário político tem dia que deveria sair no “Pânico”, tem que ir pro humor, pra galhofa, porque não dá para levar a sério. Essa gente é muito cínica”. Em outros momentos memoráveis, Boechat apareceu de peruca no fim de uma reportagem sobre calvície, abriu um guarda-chuva ao anunciar a queda iminente de destroços de satélites e botou em seu lugar um boneco após uma matéria sobre apresentadores robôs na TV chinesa. Na internet, gravou um vídeo convocando os idosos a se vacinarem contra a gripe, em que tirava a camisa para receber a vacina e aparecia de sutiã. “Vai“ meu bem, espeta”, disse para uma atônita enfermeira, pega de surpresa, a exemplo das demais pessoas no posto de saúde e nas redes sociais.
Boechat não escolhia adversário. O livro em sua homenagem conta que em outubro de 2016 comprou a briga da apresentadora Monica Iozzi, condenada a pagar R$ 30 mil por criticar Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. “Isso é uma piada, é uma brincadeira que um ministro da mais alta corte do país se exponha ao ridículo de processar uma jornalista por um delito de opinião, ainda que na minha opinião não tenha havido delito nenhum. Eu também não sei o que esperar de você, Gilmar. Vai me processar por divergir de você?”, indagou. No rádio, ele pôde usar seu acervo próprio de experiências – boas e más, para ilustrar comentários, críticas e denúncias. Se não tinha papas na língua para criticar o que considerava indigno, também não se autocensurava para proteger desconfortos pessoais. Assim como franqueava seu celular aos ouvintes, dividia com eles as questões mais íntimas, a ponto de seu lado humano e pessoal rivalizar com o de jornalista.