Nonato Guedes
0 ano de 1985 marcou a restauração das eleições diretas para prefeitos de Capitais, caindo um dos últimos bastiões do regime de exceção instaurado em 1964 que era a nomeação dos gestores por governadores de Estados, por sua vez também nomeados até 1982 quando a moeda corrente passou a ser o voto a céu aberto. Na volta das diretas nas Capitais, triunfou em João Pessoa a candidatura do médico Carneiro Arnaud, pelo PMDB, apoiada pelo esquema liderado pelo então governador Wilson Braga, do PDS, que indicou o vice, o vereador Cabral Batista. A chapa derrotou, como se sabe, a candidatura de Marcus Odilon Ribeiro Coutinho (PTB), cujo vice era Gilvan Navarro, ostensivamente apoiados pelo ex-governador Tarcísio Burity, que exercia o mandato de deputado federal e rompera com o “braguismo”.
Um dado a ser recapitulado é que o pacto de 85 constituía-se, teoricamente, em “acordão”, tal como denominado pela crônica política de João Pessoa por embutir, também, a promessa de apoio à candidatura do senador Humberto Lucena, comandante do PMDB e principal líder da oposição, ao governo do Estado em 1986. De quebra, a composição ensaiada previa a candidatura ao Senado do governador Wilson Braga, com o apoio incondicional dos peemedebistas. Assim foi planejado e consensuado, mas não concretizado. Os fados do destino e a dinâmica da política conspiraram para atalhar o que estava escrito em confabulações de cúpula, e a composição entre braguistas e peemedebistas, que em 85 já surpreendera a muita gente, acabou não tendo desdobramento. Ficou restrita, mesmo, à eleição de Carneiro, que manteve quanto a Wilson apenas a gratidão pela aliança ocasional, decisiva para ungi-lo contra Odilon.
Na verdade, o que parecia sólido desmanchou-se no ar em grande estilo, em clima de reviravolta política impactante no cenário da Paraíba. Em 1986, Burity, que transitava entre o PFL e o PTB, assinou ficha de filiação no PMDB na undécima hora dos prazos legais vigentes para filiação de políticos-candidatos à sucessão ao Palácio da Redenção. Para os analistas políticos, a migração apenas confirmava o desapreço de Burity por partidos, tendo sido ele recordista de militância em agremiações partidárias a ponto de dizer-se que o outrora obscuro professor universitário trocava de legenda com a facilidade de quem troca de camisa. Mas o que parecia um salto no escuro por parte de Burity acabou sendo um bilhete premiado de loteria, para ele.
Acompanhem a sequência dos fatos para uma compreensão melhor da reviravolta: com Burity instalado de mala e cuia no PMDB, ele se tornou alternativa legítima para concorrer ao governo da Paraíba pelo voto popular. Havia se credenciado a tanto pela gestão exitosa no primeiro governo que empalmou, a partir de março de 1979, e por ter passado a ser símbolo da oposição ao braguismo, que o PMDB voltara a combater, num surto justificado pelas incompatibilidades que recém-filiados ilustres ao PMDB nutriam com a liderança de Wilson, caso flagrante do deputado Antônio Mariz. Sim, Mariz também era adversário de Burity – os dois se confrontaram em convenção da Arena em 1978 ao Palácio da Redenção e este último, com o apoio de Braga e da máquina oficial, emergira vitorioso. Mas, entre Burity e Braga, a incompatibilidade mais notória de Mariz dava-se com Wilson. Burity vivia, ainda, seu estágio probatório na política, e o curto tempo não ensejara, ainda, a coagulação de ressentimentos políticos fortes. Ocorria, ainda, a circunstância de ser Humberto, não Burity, o candidato natural do PMDB ao governo do Estado, por todos os títulos, inclusive, por ter aberto mão da postulação para favorecer outros pretendentes.
A “sorte” e os fatores externos inerentes à conjuntura política paraibana, habitualmente radicalizada entre líderes de expressão, forneceram o combustível que sacramentou Burity e não Humberto como candidato do PMDB ao governo. Em plena fase de articulação da chapa peemedebista, a que se dedicara freneticamente, Lucena foi colhido por problemas de saúde que o levaram a se internar no Incor em São Paulo. De lá, redigiu proclamação ao povo paraibano abrindo mão do direito de ser candidato a governador, anunciando sua candidatura ao Senado e apoio à candidatura de Burity ao Palácio. A popularidade de que Burity ainda desfrutava contribuiu para barrar resistências ao seu nome, aliada à oposição ao braguismo que sustentava pela imprensa e na tribuna da Câmara. O vice de Burity foi o tribuno Raymundo Asfora, que representava Campina Grande e o PMDB ortodoxo daqueles tempos. Por infelicidade, Asfora não acompanhou Burity na subida ao poder estadual – faltando poucos dias para a solenidade foi encontrado morto na Granja Uirapuru, nos arredores da Borborema, restando a dúvida entre suicídio ou assassinato.
Tais episódios reforçam a visão de que a política se rege, muitas vezes, pelo imponderável. Burity, no segundo governo, travou acirrado confronto com bancadas parlamentares do PMDB, na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional, a ponto de dizer-se boicotado na pretensão de conseguir empréstimo indispensável para o equilíbrio das finanças paraibanas. O PMDB, por sua vez, era governo mas não estava no governo. Deu-se que, em meio ao desaguisado, Burity e Humberto trocaram epístolas que prenunciaram o divórcio, finalmente consumado, com Burity, a esta altura, flertando com a candidatura de Fernando Collor a presidente da República e sua legenda de aluguel, o PRN. Humberto morreu sem ter sido governador da Paraíba. Mas teve tempo de refletir que, em 86, ganharia o governo, ainda que não com a diferença de quase 300 mil votos que Burity teve sobre Marcondes Gadelha…