Nonato Guedes
O “Folia de Rua”, que marca as prévias carnavalescas em João Pessoa, foi aberto ontem no Ponto de Cem Réis debaixo de críticas, como a do colunista Sílvio Osias, do “JPB online”, pela apresentação do cantor Jonas Esticado, que, na sua opinião, não tem identidade com tais festejos. Em 2011 o carnaval foi celebrado em março e João Pessoa já contava com as prévias carnavalescas, pontuadas por trios elétricos e desfiles de blocos pelas ruas. No dia do desfile principal das prévias, a chamada “Quarta-feira de Fogo”, como os paraibanos designam a data que marca o desfile do bloco Muriçocas do Miramar, a jornalista Rachel Sheherazade, que apresentava o noticioso Tambaú Notícias, surpreendeu telespectadores lendo uma espécie de editorial em que criticava “a overdose de confete e serpentina”, que, a seu ver, trazia transtornos para a população.
O inusitado comentário de Sheherazade acabou sendo o passaporte para uma promoção profissional que ainda hoje lhe é proveitosa. Uma semana depois do bombástico comentário, que viralizou no YouTube graças à iniciativa de um internauta, com o número de visualizações passando de centenas de milhares, inclusive, gente famosa, como Danilo Gentili, então repórter do programa de televisão CQC e a autora de novelas Glória Perez, Sheherazade recebeu um telefonema de Leon Abravanel, diretor de produção da emissora de Sílvio Santos. Leon disse que estava ligando a pedido do próprio dono da emissora. Segundo relatou, Sílvio Santos, de férias nos Estados Unidos, havia tomado conhecimento do seu comentário pela internet e pedira que a direção do SBT a localizasse para fazer uma proposta de trabalho. Dois dias depois, Rachel estava a bordo de um avião, rumo a São Paulo, para conversar com a cúpula da emissora e negociar seu primeiro contrato com o SBT, onde permanece até hoje.
Como recapitula no livro “O Brasil Tem Cura”, que lançou em várias Capitais, inclusive, em João Pessoa, Rachel Sheherazade foi abordada para ancorar o principal telejornal, o SBT Brasil, veiculado em horário nobre, à noite. “Mais do que isso, o patrão queria minhas opiniões diretamente no ar. Na ocasião, perguntei aos diretores que assuntos deveria evitar nos meus comentários e qual seria o posicionamento político da empresa. Fiquei surpresa ao me dar conta de que a emissora não tinha amarras ideológicas ou políticas com nenhuma legenda e que qualquer assunto poderia ser abordado, desde que eu me responsabilizasse por minhas opiniões”, contou. No início de abril daquele ano, Rachel, com o primeiro marido e dois filhos, mudou-se para São Paulo. Apesar do contrato de dois anos, achava estar trocando o certo pelo duvidoso.
O início, em São Paulo, foi uma verdadeira lua de mel. Rachel Sheherazade tornou-se celebridade, foi capa de revistas de circulação nacional e tornou-se personagem polêmica pelas opiniões que emitia sobre diferentes assuntos, inclusive, batendo forte nos governos do PT, à frente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As opiniões que emitia enveredavam, também, pela área de costumes – em alguns casos, o tom forte, misturado com um verniz conservador, valeu a Sheherazade o rótulo de “direitista” ou “reacionária”. O telejornal do SBT crescia de audiência e de faturamento, como pão-de-ló. Até que eclodiram as pressões de expoentes do poder e de segmentos da sociedade com restrições ao comportamento da apresentadora. Pragmático, Sílvio Santos, que tem fama de se dar bem com todos os governos da República e exaltar todos eles, começou a puxar o freio de Rachel, “o fenômeno que veio da Paraíba”, podando comentários mais veementes, principalmente, sobre temas políticos.
O fogo cruzado contra Rachel Sheherazade amplificou-se na mídia e ela passou a ser encarada como porta-voz legítima de grupos direitistas. Até que passou a tecer críticas a Jair Bolsonaro – e o “patrão” Sílvio Santos entendeu que era hora de dar um basta à liberdade de opinião na sua emissora. No seu programa dominical, por ocasião da entrega de um prêmio a profissionais artistas e jornalistas, Sílvio passou o troféu “Imprensa” a Rachel Sheherazade e aproveitou para dar-lhe um recado, em rede nacional: não a queria mais atuando como comentarista. “Você foi contratada para ler as notícias”, ponderou o dono do SBT, contradizendo-se com o enredo original que motivou a ida de Rachel para São Paulo. A censura imposta pelo SBT foi coincidindo com demissões no quadro de apresentadores, a pretexto de contenção de despesas. A pressão externa contra Rachel, enquanto isso, perdurava, a ponto do empresário Luciano Hang, dono da Havan e anunciante do SBT, acusá-la de “comunista” e “impatriótica” por ter feito críticas ao governo do presidente Bolsonaro. Na sequência, avisou a Sílvio Santos que estava cancelando contratos de propaganda com o SBT. Rachel adaptou-se aos novos tempos, inclusive, aceitando a determinação para não apresentar mais o telejornal às sextas-feiras. O Folia de Rua, que já teve repercussão nacional, já não tem mais o “glamour” de antes. No livro que escreveu, Rachel afirma: “Tomo emprestada a ousadia dos maus para fazer o bem”. Foi força de expressão, amparada em frase de ideólogo famoso. Sob novo figurino, o que ela mantém é a obstinação, a capacidade de resiliência – típica de nordestinos que migram para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Quando sente saudades dos comentários, Rachel, hoje, grava podcasts que são levados ao ar em outros canais – no YouTube, na internet.