“O Papa é argentino, mas Deus é brasileiro”. Foi a reação, em tom de blague, do presidente Jair Bolsonaro, ao comentar a audiência mantida, ontem, no Vaticano, entre o papa Francisco e o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se mantém em liberdade enquanto aguarda decisão da Justiça sobre vários processos a que responde, inclusive, por corrupção e lavagem de dinheiro. Na legenda de foto publicada no Twitter, Lula disse que conversou sobre “um mundo mais justo e fraterno”. Conforme a assessoria do petista, a reunião durou cerca de uma hora.
Lula chegou ao Vaticano por volta de 15h30 (horário local) a bordo de um automóvel com vidro fumê. A Santa Sé informou que não vai divulgar um comunicado oficial sobre o encontro devido a seu caráter privado. Mais tarde, Lula concedeu uma entrevista coletiva onde afirmou que o papa “quer fazer coisas que sejam irreversíveis, que fiquem para sempre no seio da sociedade”. Ele disse que ficou muito satisfeito com o encontro que teve com o Pontífice. “Acho que se todo ser humano, ao atingir os 84 anos, tiver a força, a disposição e a garra que ele tem, e levantar temas importantes para o debate, a gente pode encontrar soluções para os problemas do mundo de forma mais fácil”, expressou o petista.
Questionado sobre problemas ambientais, Lula afirmou que não foi ao encontro para discutir especificamente a Amazônia, mas problemas ambientais em geral. Ele citou que leu a “exortação”, espécie de documento no qual o papa orienta a Igreja, elaborada por Francisco e publicada ontem no site do Vaticano, e afirmou que concorda com o teor do texto. O documento foi elaborado após o Sínodo da Amazônia, realizado em outubro passado. O Sínodo especial (tipo deste evento que trata de uma região específica) foi anunciado por Francisco em 2017. Esse tipo de reunião serve como ferramenta para o papa consultar e observar debates sobre o tema a fim de produzir um material para fornecer diretrizes ao clero. Na exortação citada por Lula, o papa Francisco critica governos que se arvoram em argumentos como o de “não entregar a Amazônia”.
Para aumentar esta confusão, contribuíram alguns slogans, nomeadamente o de “não entregar”, como se a citada sujeição fosse provocada apenas por países estrangeiros, quando os próprios poderes locais, com a desculpa do progresso, fizeram parte de alianças, com o objetivo de devastar, de maneira impune e indiscriminada, a floresta com as formas de vida que abriga”, escreveu Francisco. “A segunda coisa (que nós conversamos) foi a questão ambiental. Há uma má vontade, apesar dos discursos, dos governantes preocupados com a questão ambiental (…) Enquanto a gasolina for barata, não há interesse em mudar a matriz energética da maioria dos países. Nós estamos percebendo eu é levar muito a sério um novo modelo de produção de energia”, disse Lula após o encontro com o papa.
A reunião entre Lula e Francisco só foi possível após uma decisão da Justiça Federal do DF, que adiou um depoimento que o ex-presidente iria conceder no âmbito da Operação Zelotes – inicialmente marcado para o último dia 11, data de sua viagem à Europa. O juiz Ricardo Augusto Soares Leite autorizou e a audiência foi remarcada para o dia 19. Lula retorna ao Brasil no sábado, 15. Em abril passado, poucos dias antes de completar um ano encarcerado na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, o ex-presidente escreveu uma carta ao papa em que disse estar lutando por sua inocência. “Estou preso porque os poderosos querem destruir toda a rede de proteção e cuidados que construímos para os excluídos”, escreveu Lula no dia 5 de abril de 2019, terminando o texto com “gostaria de contar com seu apoio e amizade, reze por mim”. Cerca de um mês depois, Francisco respondeu à carta do ex-presidente. Nela, citou um discurso que fez no dia primeiro daquele ano, no qual afirmou que a política deve ser ferramenta para “criar condições de um futuro digno e justo”.