Nonato Guedes
Michel Temer, que ascendeu à presidência da República em situação excepcional – como vice de Dilma Rousseff, em virtude do impeachment desta – recolheu os “flaps” e deu adeus à carreira política, julgando ter sido “tudo”. Teve, de fato, uma ascensão meteórica – mas, como presidente, revelou-se medíocre, tanto que não teve votos para concorrer à reeleição em 2018. Foi, ainda, flagrado em situação constrangedora, sendo gravado por um empresário chantagista, o Joesley Batista, com quem tratava assuntos nada republicanos. À certa altura, falou-se sobre o pagamento de propina a Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara Federal, recolhido a presídio, em troca de seu silêncio. Josley informou que sacava dinheiro dos cofres da JBS para dar a Cunha e, por via de consequência, silenciá-lo. Temer anuiu, com satisfação, dizendo: “Tem que manter isso aí”. Era a senha para que a corrupção seguisse.
Com todo o respeito, o ex-presidente desponta como personagem patético da cena política brasileira. Não teve brilho nem carisma – e é certo que não fará falta nos debates nacionais sobre o Brasil. Nos Estados Unidos e em outros países, é regra que ex-presidentes mantenham-se discretos quando apeados do poder, somente voltando à cena quando acionados ou convidados para emprestar sua experiência na resolução de impasses modernos. No Brasil, há um “comichão” da parte de ex-presidentes para se manter em evidência, dando pitacos sobre atos e atitudes de sucessores. Um dos mais falantes foi Fernando Henrique Cardoso, que governou por duas vezes. O grande falastrão, porém, é Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que insiste em ocupar protagonismo político mesmo estando condenado em nove processos judiciais. Nos últimos dias, descolou, através do presidente argentino, uma audiência de uma hora com o papa Francisco, que o saudou: “Que bom lhe ver livre”. Lula segue livre, mas inelegível.
Na galeria de presidentes da história recente do Brasil, são lembrados, ainda, Fernando Collor de Mello, José Sarney e Dilma Rousseff. Collor é detentor de uma tribuna, por exercer o mandato de senador como representante de Alagoas, onde foi governador e prefeito da capital e criou fama de “caçador de marajás” que o alavancou ao Planalto como um foguete, em 89. Sua glória foi finita, porém – em 92 ele foi o primeiro presidente do Brasil a sofrer impeachment e a perder os direitos políticos por uma temporada. O motor do impeachment foi o envolvimento em escândalos cujo operador era o seu ex-tesoureiro de campanha PC Farias, já falecido. Mesmo detendo uma tribuna, Collor passa quase todo o tempo mudo, nada acrescentando à grande discussão institucional brasileira. Dizem que é melhor assim.
José Sarney, o oligarca intelectual do Maranhão, que assumiu excepcionalmente como vice de Tancredo Neves, morto antes de envergar a faixa presidencial, alterna incursões políticas locais com a frequência no noticiário policial. Na verdade, vive de recordações, dos tempos do Plano Cruzado, vendido à população como uma pomada maravilha e cujo rastro legou ao país níveis estratosféricos de inflação. Sarney sempre foi um político esperto, remanescente da geração dos coronéis beneficiários do voto de cabresto, do bico de pena. No Maranhão, que sempre teve como propriedade sua, José Ribamar dá nome a quase tudo – de avenida a maternidade. Mas o “clã” entrou em decadência faz muito tempo.
Dilma Rousseff perambula por países vizinhos e até nem tão vizinhos sustentando uma narrativa a que se agarra como o grande álibi para encontrar sua razão de viver: a narrativa do “golpe”, como costuma se referir ao impeachment que a defenestrou do Palácio do Planalto em 2016. O fato de ter sido o processo de impeachment capitaneado pelo Congresso, onde o ibope de Dilma sempre foi baixo pela peculiaridade do seu difícil trato com os políticos, aliado ao seu gênio não menos difícil,é o respaldo que a ex-protegida de Lula da Silva exibe para se manter no papel de vítima, espécie de Joana D’arc dos trópicos, atirada à fogueira por militares da reserva metidos em política e por eternas vivandeiras de quartéis em busca de abalar as instituições democráticas.
Michel Temer será pouco consultado por jornalistas, historiadores e líderes políticos. Falta-lhe o “élan” que confere a alguns ex-presidentes a aura de estadistas, mesmo que seja apenas a aura, não o perfil propriamente dito, como se dá em relação a Efe Agá Cê, bafejado pelos títulos acadêmicos que foi buscar na Sorbonne para ilustrar seu currículo e que, de vez em quando, derrapa na própria língua, por excesso de narcisismo. Temer é o opaco que, se brincar, perde até o retrato na galeria dos mandatários do Brasil.