Nonato Guedes
Na conjuntura recente da Paraíba, a política se faz contra ou a favor do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB). Ele se tornou o líder mais proeminente do cenário nas últimas décadas, com sua passagem duas vezes pela prefeitura de João Pessoa e pelo governo do Estado, também, por duas vezes. Agora mesmo, as articulações para a sucessão à prefeitura da Capital no pleito de outubro estão bloqueadas devido à instabilidade sobre a situação jurídica de Ricardo, candidato em potencial mas pendente de sentença sobre sua elegibilidade por causa do envolvimento na Operação Calvário, que trata de desvio de recursos públicos e de pagamento de propinas a agentes públicos, em conluio com organizações sociais que faziam gestão pactuada na Saúde e Educação e que foram banidas do território paraibano pelo governador João Azevêdo (Cidadania). As articulações estão bloqueadas, mas não inviabilizadas, diga-se de passagem.
Amanhã, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, à frente a severa ministra Laurita Vaz, apreciará recurso originário do Ministério Público da Paraíba contra a concessão de habeas-corpus a Ricardo pelo ministro Napoleão Nunes em dezembro de 2018, quando o ex-governador foi preso em Natal, Rio Grande do Norte, ao desembarcar de uma viagem internacional que incluiu no roteiro a Turquia e Portugal. Ele foi alvo da sétima fase da Operação Calvário, apelidada de “Juízo Final” pela força-tarefa, e ficou preso dois dias, tendo sido submetido a uma audiência de custódia no Tribunal de Justiça do Estado. Ricardo se pronunciou vaga e enigmaticamente através das redes sociais sobre a acusação de que ele é o chefe de uma “organização criminosa” que supostamente dilapidou os cofres públicos. Reagiu protestando inocência e fazendo bravata, pela insinuação de que iria desmascarar mentores do alegado complôt arquitetado contra ele.
Os autos do processo contra Ricardo são substanciosos e não deixam margem de dúvida sobre o envolvimento direto do líder socialista em procedimentos administrativos reprováveis, associados a desvios éticos de conduta. Mas é imprevisível o destino que lhe está reservado por expoentes de Cortes de Justiça Superiores e o próprio habeas-corpus deferido pelo ministro Napoleão Nunes foi emblemático para a constatação de que RC tem bala na agulha para escafeder-se do fogo cruzado disparado no seu encalço, a partir de depoimentos e de delações de ex-auxiliares de sua confiança, como a ex-secretária de Finanças e Planejamento, Livânia Farias, operadora ativa do alegado esquema montado, de forma hierárquica, pela “Orcrim” cujo comando é atribuído ao representante dos girassóis. Ricardo teve tempo, em postagem via redes sociais, de questionar os métodos utilizados pela força-tarefa auxiliar do Ministério Público. Bateu fundo, sobretudo, na legitimidade de delações extraídas a pretexto de colaboração com a Justiça. E, desde então, silenciou sobre o bombardeio.
Todo esse mar de sargaço não o impediu de conspirar, politicamente, contra o governo João Azevêdo e contra adversários antigos e recentes infiltrados no conglomerado oposicionista paraibano que se espalha com tentáculos por diferentes partidos. Ricardo, que tem excesso de confiança na remoção de óbices legais à sua liberdade política, acredita piamente que dará as cartas no jogo sucessório pessoense, ainda que não seja o candidato a prefeito propriamente dito. Nos bastidores, RC maquina estratégia que lhe possibilite uma surpreendente transfusão de votos para a candidatura que idealiza como “alter-ego”. O discurso já está pronto com antecedência, focado na narrativa da “perseguição” e do “complôt” para destruí-lo, entremeado por alusões à “reinvenção da Paraíba” que ele se credita, como arauto de um modelo de desenvolvimento que teria feito o Estado avançar a golpes de pressa. Nessa narrativa laudatória, evidentemente, não há espaço para citação do desvio de R$ 132 milhões de recursos públicos e muito menos para a admissão do mal causado à população com sangria de recursos de setores essenciais como a Saúde e Educação.
Ora porque seja dissimulado, ora porque acredita piamente que não fez nada de errado, o que o aproxima do perfil característico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que nunca soube nada dos malfeitos ocorridos nas suas gestões nem participou de nada, malgrado as inconfundíveis impressões digitais apostas em negociatas como a que envolve o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia, sem falar nos grandes rombos que não foram comunicados ao papa Francisco na recente audiência no Vaticano – o ex-governador Ricardo Coutinho é o complicador do processo eleitoral de 2020. Claro que isto faz bem ao seu imenso ego, o que não quer dizer que adversários políticos sejam desprovidos de fosfato numa dimensão que os impeça de construir nomes viáveis para a eleição municipal à vista. Ricardo pode estar blefando para fazer os adversários perderem tempo e espaço – e é isto que começa a ser colocado na mesa por observadores políticos mais atentos e “experts” no conhecimento do calcanhar de Aquiles de Vieira Coutinho.