Nonato Guedes
Foram três as tentativas da ex-deputada federal Lúcia Braga em ascender à prefeitura de João Pessoa como um desdobramento da trajetória política que abraçou com fervor e idealismo, mas o “imponderável” conspirou contra essa pretensão e ela se despediu da vida pública com uma lacuna no currículo. É fundamental lembrar que Lúcia foi a primeira deputada federal eleita pela Paraíba, em 1986, redimindo outras mulheres que se aventuraram a mandatos eletivos importantes no Estado sem êxito. O pioneirismo de Lúcia é ressaltado pelos seus contemporâneos (ela militou até 2002) tanto quanto a sua combatividade na trincheira da vida pública, vencendo preconceitos, derrubando muros e tentando construir pontes que, ideologicamente, a aproximaram da esquerda, embora o marido, Wilson Braga, eleito governador em 82, fosse enquadrado por analistas políticos mais à direita. Na verdade, Wilson era um “populista” com verniz social, o que levou o ex-governador Leonel Brizola a aceitá-lo nas hostes do PDT.
Numa entrevista coletiva em João Pessoa, quando da filiação de Wilson ao partido do “socialismo moreno”, assim tratado pela mídia o PDT, indaguei de Brizola se não lhe parecia incoerente abrigar na legenda o último malufista do Nordeste, como jornais e revistas de São Paulo e do Rio se referiam ao líder paraibano. A resposta de Brizola, um político talhado no caudilhismo e na malandragem dos embates de fronteira, foi – teoricamente – primorosa: “Quem tem uma mulher como Lúcia não pode ser um mau sujeito”. O endosso apenas confirmava a versão de que Lúcia tinha brilho próprio, embora fosse parceira do marido em projetos locais de poder. Na última eleição indireta, no Colégio Eleitoral, opondo Tancredo Neves a Paulo Maluf, Lúcia declarou torcida por Tancredo, enquanto Wilson era carimbado como “malufista”. A mídia deitou e rolou em cima do que seria uma “briga de casal à paraibana” – na prática, Wilson e Lúcia conviveram no mesmo teto até hoje sem maiores problemas em relação a divergências políticas ou ideológicas.
Sobre a prefeitura de João Pessoa, a primeira incursão de Lúcia para ser candidata deu-se em 1988, quando ela cumpria mandato de deputada federal constituinte, alinhada a setores progressistas em ferrenha oposição aos expoentes do chamado “Centrão”, bloco que congregava alguns políticos paraibanos ilustres. Lúcia era franca favorita na corrida – sucessivas pesquisas de institutos, inclusive do Ibope, apontavam-na como líder das intenções de voto. Havia uma miríade de candidatos, num arco que oscilava de Haroldo Lucena a Hermano Almeida e João Da Mata. Foi quando se deu o infausto acontecimento: a tragédia de Alfenas, Minas Gerais, cidade onde Patrícia, a filha de Lúcia-Wilson, sofreu um acidente automobilístico que a imobilizou até a morte. O amor de mãe impôs a Lúcia dedicação integral a Patrícia, no périplo por hospitais como o Alberto Einstein em São Paulo, passando pelo Sarah Kubitscheck, do Distrito Federal. Largou tudo o mais, resistindo a pressões para se manter no páreo. Foi substituída pelo marido, Wilson, que sustentou a vantagem e ganhou a taça, tendo como vice Carlos Mangueira.
O caminho da prefeitura de João Pessoa voltou a cruzar com Lúcia em 1992, quando ela achou que estava emocionalmente preparada para voltar a assumir desafios. Repetiu-se o enredo, com o favoritismo latente da candidata, em outra conjuntura. Desta feita, laborou contra a candidatura um indeferimento por parte da Justiça Eleitoral, acolhendo provocação de adversários que a inquinavam de supostos deslizes à frente da Fundação Social do Trabalho-Funsat, que presidiu no governo do marido na década pretérita. O indeferimento se deu às vésperas da eleição que se prenunciava renhida. Lúcia foi substituída pelo vice, Chico Franca, filho do ex-prefeito Damásio, uma lenda junto a eleitores pessoenses. A disputa foi empurrada para o segundo turno, opondo Chico Franca (PDT) a Chico Lopes (PT), na primeira vez em que o PT logrou partir em vantagem com relação a partidos tradicionais. Deu Chico Franca, que passou a ter como vice a professora Emília Freire.
A última investida de Lúcia para conquistar a prefeitura da Capital deu-se em 1996. Seu prestígio continuava forte junto, sobretudo, a fatias do eleitorado carente, de favelas e bairros pobres de João Pessoa, onde ela atuara no período da Funsat. A assistente social que se impôs no cenário politico paraibano pela própria garra e vocação esperava ser favorecida pelo “recall” do seu nome e do seu histórico em favor dos mais necessitados. Os astros, no entanto, não lhe enviaram vibrações muito positivas – ela acabou perdendo, no segundo turno, para Cícero Lucena, então PMDB, depois PSDB, que foi reeleito em 2000. Lúcia Navarro Braga faz falta na paisagem política paraibana. Apesar de ser polêmica, ou talvez por ser polêmica, marcou profundamente a vida pública do Estado e nuncafoi mulher de fugir de desafios.Muito pelo contrário!