Nonato Guedes
Na definição de Octacílio Silveira, conselheiro do Tribunal de Contas da Paraíba, já falecido, o governo de Antônio Mariz, na cidade de Sousa, na década de 60, foi, “sem qualquer sombra de dúvida, o maior e mais sério que se possa desejar”. Nascido em João Pessoa mas com raízes familiares na cidade sorriso, no Alto Sertão, o ex-governador Antônio Mariz, que morreu de câncer em pleno exercício do mandato, em 1995, cumpriu rigorosamente todas as metas fixadas para sua administração em Sousa e, muitas vezes, chegou a ultrapassá-las. Ele inovou a práxis política prestando contas ao povo, diariamente, através de difusoras e rádios do município, sobre quanto fora arrecadado e quanto fora gasto. Um caso raro, um prefeito exemplar em pleno interior do Nordeste do Brasil, uma das regiões mais carentes do mundo.
Em 94, quando ele disputou o governo estadual contra Lúcia Braga, emergindo triunfante, os amigos e aliados de Mariz diziam que a gestão modelar em Sousa era uma prévia, guardadas as proporções, do que seria a sua administração como governante de toda a população paraibana. Ao assumir o Palácio da Redenção, instituiu o “Governo da Solidariedade”, deixando claro o norte das ações que pretendia empreender juntamente com sua equipe. No dizer de Octacílio Silveira, “pena que a Paraíba não teve a felicidade de tê-lo como governador durante os quatro anos”. Como prefeito de Sousa, instalou bibliotecas públicas em todas as sedes distritais, cursos intensivos de férias para treinamento e aperfeiçoamento de professores, fixação do período escolar na zona rural, fora da época de ocupação dos alunos nas atividades agrícolas, instalação de postos médicos-sanitários e formação de comandos de médicos e dentistas para atendimento a populações pobres dos distritos, pelo menos uma vez por semana. Determinou, ainda, o fornecimento de medicamentos a preço de custo e a venda, também pelo preço de custo e também a prazo, de silos, ferramentas, cultivadores, pulverizadores e inseticidas aos camponeses sem terra e pequenos proprietários rurais.
Mariz foi candidato a prefeito de Sousa pelo PTB, legenda mais de acordo com seus ideais políticos à época. Derrotou, nas eleições de 1963, o candidato udenista Felinto da Costa Gadelha (Tozinho Gadelha), por uma diferença de apenas dez votos: 3.876 contra 3.866 sufrágios. Foi um pleito memorável, no qual o candidato do PSD, Laércio Pires de Sousa, ficou em terceiro lugar, com 3.125 votos, registrando-se ainda 186 votos em branco e 215 nulos. O candidato a vice-prefeito na chapa marizista não conseguiu eleger-se, sendo vitorioso Geraldo Abrantes Sarmento, da UDN. Diplomado em 26 de agosto de 63, Antônio Mariz tomou posse em 30 de novembro e sua gestão estendeu-se até 31 de janeiro de 1969, pois houve, àquela época, uma prorrogação nacional de mandatos de prefeitos. No mesmo ano da eleição, Mariz casou-se com a jovem Mabel Dantas Mariz, filha de Jacinto Dantas e Mabel Santos Dantas, em cerimônia na Capital.
Ele havia concluído, com menção honrosa, o curso de Ciências Políticas pelo Centre Européen Universitaire de Nancy, na França. Havia optado pela carreira de Direito, mas mostrava-se vocacionado para a política. O historiador José Octávio de Arruda Mello anotou que Mariz, por cálculo político, aproximou-se do PSD, repetindo a nível municipal a aliança PSD-PTB que oferecia sustentação ao governo do presidente João Goulart no plano nacional. Foi essa a situação política com que o movimento militar de 64 se deparou em Sousa. Num famoso comício na porta da difusora, na noite de primeiro de abril, falando em seguida ao comerciante João Gonçalves de Abrantes e vereador Gilberto Nabor, Mariz tomou a ofensiva cobrando solidariedade ao PSD contra a conspiração udenista em marcha. A UDN reagiu ocupando militarmente a cidade e procurando cassar o mandato do prefeito, que chegou a ser preso e recolhido ao quartel do Grupamento de Engenharia em João Pessoa. A deposição de Mariz, porém, foi barrada pelas próprias autoridades federais, que o reconduziram ao cargo. O vice Geraldo Sarmento, que por alguns dias ocupou a prefeitura, retirou-se debaixo de vaias. Não houve discursos, mas a cidade parou para receber o prefeito quando de sua chegada em avião militar ao campo de aviação do Dnocs de Sousa.
Mariz foi secretário de Educação e Cultura do governo João Agripino, num momento difícil da quadra política nacional em virtude da instauração da ditadura militar e das punições do AI-5. Mesmo assim, agiu com dignidade, evitando a cassação de professores e serventuários da Educação. Mesmo quando militou na Arena (partido do regime), na condição de deputado federal, foi um rebelde, fiel a suas convicções, tendo feito parte de grupo renovador que desafiava o estado de exceção. Foi assim que assumiu posição radical pela extinção do decreto-lei 477, que permitia a expulsão, de estudantes tidos como subversivos, das universidades federais. Em todos os momentos, lutou corajosamente pela defesa dos Direitos Humanos. Agiu com ética e correção e notabilizou-se como relator do processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello em 1992. Na Constituinte de 88 já havia se consagrado como “Parlamentar Nota Dez”. Toda a sua trajetória guardou coerência com os postulados que pôs em prática quando foi eleito prefeito de Sousa em 1963.