Nonato Guedes
Em meio à recomendação expressa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que o PT dê prioridade a candidaturas próprias nas eleições deste ano, sobretudo em Capitais, o diretório municipal de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, precipitou definição e fechou com o nome da ex-deputada Manuela D’Avila, do PCdoB, à prefeitura. A leitura que é feita nos meios políticos é de que a capital gaúcha constitui exceção à regra no manual do “pajé” petista, pela particularidade de que Manuela é encarada como petista de coração, não lhe sendo difícil – caso eleita – ingressar na sigla e deixar para trás os comunistas, fazendo o caminho inverso do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, que se elegeu pela primeira vez em 2012 concorrendo pelo PT e depois migrou para o PSD, estando, hoje, no PV.
Jornalista, militante política aguerrida, Manuela D’Avila foi candidata a vice-presidente da República em 2018 na chapa encabeçada por Fernando Haddad, do PT, em coligação com o PCdoB. Para situar melhor os leitores pouco atentos ao noticiário político, cabe lembrar que a jovem gaúcha lançou-se candidata a presidente da República em faixa própria no âmbito do PCdoB. Lula manejou os cordéis para atraí-la para uma aliança, de olho no potencial de renovação que ela emprestaria ao quase quarentão (na época) Partido dos Trabalhadores. Houve troca de amabilidades (sem aspas, por favor), juras de afinidade entre a bela deputada estadual dos pampas e o líder petista e Manuela trocou um mandato parlamentar praticamente garantido por uma vice de Fernando Haddad, o segundo “poste” presidencial que Lula tirou da cartola ou do bolso do colete e atirou à liça na campanha de 2018. A chapa foi derrotada por Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão.
Manuela, evidentemente, extraiu do pleito presidencial um ganho adicional – visibilidade para se credenciar novamente à disputa pela prefeitura de Porto Alegre. Ela já havia concorrido ao posto em duas oportunidades – em 2012 ficou em segundo lugar e em 2008 amargou a terceira colocação. Exerceu o mandato de deputada federal no período entre 2007 e 2015. Nas eleições de 2014, foi eleita deputada estadual com a maior votação entre postulantes do Rio Grande do Sul à Assembleia Legislativa. Foi no desempenho desse mandato que a disputa presidencial cruzou seu caminho em 2018, como uma alternativa promissora. Embora filiada ao PCdoB, chegou a se declarar “cristã”, sem identificar qualquer contradição entre esses polos. Foi achincalhada por adversários extremistas devido às tatuagens coladas ao seu corpo, mas ganhou solidariedade diante da baixaria intentada contra sua formação política, alicerçada em sólidas leituras políticas e ideológicas.
A despeito do apoio do PT a Manuela ser encarado como exceção devido à proximidade entre a ex-deputada comunista e o partido de Lula, alguns analistas chamam a atenção para um redirecionamento que o Partido dos Trabalhadores sinaliza estar experimentando na conjuntura institucional brasileira, pautado por concessões no campo da esquerda e por uma abertura a composições. O partido, sobretudo no nascedouro, foi refratário a alianças, até mesmo com agremiações e expoentes políticos avaliados como esquerdistas. Havia a pretensão de passar uma aura de partido quimicamente puro, em oposição a agremiações tradicionais que pontificaram desde a ditadura militar, a exemplo da Arena e do MDB, e já na redemocratização, com o surgimento do PDT de Leonel Brizola, do PSB de Miguel Arraes e do PSDB de Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso.
A mística construída e alimentada pelo “pajé” Lula da Silva perdeu substância com os escândalos do mensalão e do petrolão que jogaram pelos ares a ética petista, agravando-se, mais tarde, com as prisões de cabeças coroadas do petismo como o próprio Lula, recolhido por 580 dias à carceragem da Polícia Federal em Curitiba sob a acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e de José Dirceu, que é endeusado pela militância ortodoxa por não ter “dedurado” ninguém, diferenciando-se de outros filiados e militantes que aderiram à chamada “colaboração premiada” com a Justiça, repassando informações privilegiadas sobre esquemas de corrupção montados quando dos governos petistas que tiveram Da Silva e Dilma Rousseff como representantes – esta última alvo de processo de impeachment que a defenestrou quando laborava no segundo mandato em meio a números econômicos e sociais desfavoráveis.
O apoio a Manuela D’Avila indica, ainda, que o ex-presidente Lula da Silva está operando ativamente, enquanto usufrui a liberdade concedida pela Justiça, para tentar assegurar a sobrevivência do Partido dos Trabalhadores frente aos desafios futuros. Tem ficado claro que o ponto principal, para Lula, é o combate sistemático ao governo do presidente Jair Bolsonaro – e é para se fortalecer nesse território que o PT deve acolher quem se alistar em tal “front”. As eleições municipais parecem um aperitivo – e podem sê-lo para outros partidos, não para o PT, que tem pressa em se reconstruir, depois da hecatombe que abalou a sua credibilidade junto a parcelas expressivas do eleitorado médio brasileiro. Da Silva mira, na verdade, 2022 – quando espera estar liberado pela Justiça para voltar a concorrer ao Planalto. Se a Justiça o liberar, é óbvio…