Nonato Guedes
Na temporada mais recente de casos de roubo do erário público, no Brasil, um dos mais emblemáticos de que o crime não compensa mesmo é o do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (MDB). Ele foi condenado treze vezes. Somadas, as penas totalizam 282 anos de prisão. Firmou um acordo de delação premiada conduzido pela Policia Federal – e, diferentemente do que ocorre com as delações fechadas pelo Ministério Público, a que envolve Cabral não estabeleceu previamente os benefícios que seriam concedidos ao delator, o mais cobiçado deles a redução de pena. Alguns notáveis do Partido dos Trabalhadores (PT), igualmente arrolados na Lava Jato, fizeram revelações comprovadamente transparentes e, com isto, tiveram condenações abreviadas, enquanto outros, como Sérgio Cabral, partiram para outro tipo de conduta que apenas piorou o estado em que se encontram.
Azar o de Sérgio Cabral. O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, decidiu que o acordo de delação premiada do ex-governador fluminense não poderá ser usado para reduzir penas já decretadas pela Justiça. Fachin homologou a delação no início deste mês e ela envolve autoridades com prerrogativa de foro privilegiado, como ministros do Superior Tribunal de Justiça e políticos federais. Tem 20 anexos, que estão guardados sob sigilo nos escaninhos do Supremo Tribunal Federal. A controvérsia é inevitável. A Procuradoria Geral da República se manifesta contra a colaboração de Cabral por considerar que o paciente não apresentou fatos novos e pelo fato do dinheiro que prometeu devolver já estar bloqueado pela Justiça.
Ou seja, para sermos amenos com Cabral, ele está sendo insincero com autoridades às quais responde por atos praticados e que configuram delinquência. Ao mesmo tempo, a suspeita aventada de que o ex-governador não apresentou fatos novos sugere que ele blefou nos depoimentos a autoridades da Polícia Federal, como parte de uma estratégia para confundi-las propositalmente e, com isto, tentar abrir espaço para que ele fosse favorecido em meio à geleia geral das informações que transitam. O erro de cálculo de Cabral terá sido o de subestimar a Polícia Federal e expoentes do Judiciário que estão enfronhados até o pescoço na tarefa de decifrar o cartapácio de acusações recolhidas em oitivas e diligências já há algum tempo.
De acordo com informações repassadas pelo jornal “O Estado de São Paulo”, no que concerne à devolução de recursos desviados do erário ficou patenteado no acordo que o ex-governador repassaria R$ 380 milhões aos cofres públicos, correspondentes ao recebimento de propinas durante sua gestão pelo Palácio Guanabara. Sem ter como reembolsar o erário e ainda por cima apelar para o blefe, Cabral só agrava sua situação, condenando-se a mofar na cadeia até o último dia de sua vida. Ele está preso preventivamente desde novembro de 2016 e confessou seus crimes. Sua justificativa, numa declaração que vazou em fevereiro do ano passado:“Meu apego a poder e dinheiro é um vício”. Na realidade, a confissão de Cabral não tem justificativa. Quanto ao vício, é típico de elementos sem vergonha na cara. Não é caso que a medicina ou outra especialidade terapêutica resolva.
O Ministério Público Federal, ao que se sabe, deseja evitar que Sérgio Cabral seja colocado em liberdade, o que poderá ocorrer se a colaboração do político beneficiá-lo em relação às prisões preventivas que foram se acumulando no seu histórico, somando esse total absurdo de 282 anos de condenação. Prisões desse tipo costumam ser decretadas antes da condenação definitiva para que, entre outros fatores, um investigado ou réu deixe de delinquir. A defesa de Cabral entende que se a Justiça o tem como colaborador é porque considera que ele deixou de praticar crimes. Todavia, a PGR comunicou a Fachin que existem “fundadas suspeitas” de que o ex-governador continua ocultando o paradeiro de valores que foram recebidos de forma ilícita e que provocaram o seu enriquecimento.
A lamentar que o Estado do Rio, tão admirado pelos brasileiros, tenha sido infelicitado por uma safra de governadores e políticos corruptos. Além de Sérgio Cabral, ex-gestores como Anthony Garotinho e sua mulher, Rosinha, e Luiz Fernando Pezão caíram nas malhas da Lei por “maracutaias” (uma expressão bem ao gosto do ex-presidente Lula da Silva) cometidas no exercício da vida pública, sendo pilhados em improbidade e ações de assalto ao erário. Na galeria de tal espécime de políticos cabe, ainda, Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara Federal e detentor de um prontuário que ainda hoje surpreende incautos e desinformados.