Nonato Guedes
O carnaval de 2020 no Brasil já é considerado o mais político da história do país. A crítica social e a sátira política ecoam nas marchinhas que movem os blocos mas os protestos também se manifestam em adereços, adesivos e outros símbolos da folia de Momo. O alvo preferencial desta temporada, como não poderia deixar de ser, é o presidente Jair Bolsonaro, ironizado por gestos e atitudes tomadas à frente do governo. É o segundo ano em que Bolsonaro lidera o “ranking” da sátira política. Já no primeiro ano de governo, em 2019, ele chegou a ser “castigado” nas metáforas de artistas de renome como Caetano Veloso, preocupado com o “desmonte” da Cultura no país, que segue como uma marca da gestão, apesar do recrutamento de uma personalidade como a atriz Regina Duarte, ícone da teledramaturgia brasileira, para comandar a Pasta da Cultura – esta, infelizmente, esvaziada e sob perigoso dirigismo ideológico à direita.
No carnaval deste ano, pelo menos onze de treze escolas de samba que desfilam no Sambódromo no Rio de Janeiro massificam a sátira política, atingindo do presidente da República ao prefeito da antiga Cidade Maravilhosa, Marcelo Crivela. A festa de Momo acolhe, também, a crítica de costumes e sambas-enredo de resgate de episódios e de personagens históricos. Abre espaço, igualmente, para a mais completa diversidade sexual ou liberdade de gênero já verificada no Brasil, com o apogeu de militantes de LGBTs +, numa vertente, e na outra com a apologia ao nu, quer em fantasias ou alegorias quer no tom de protagonistas da cena momesca. A repercussão dos protestos de estirpe variada já é assunto em sites e publicações impressas de países da Europa, que se referem, por vezes em tom de surpresa, a peculiaridades do carnaval na terra brasilis. Não esquecer que “gringos” já chamaram de “exótica” a festa carnavalesca brasileira, o que não impede que muitos deles venham, regularmente, todo ano, para conhecer de perto a novidade e dela tomar parte.
A bem da verdade, não é de agora que a folia é fonte de inspiração para segmentos sociais que experimentam forte miscigenação e que dão vazão a libelos políticos numa conjuntura em que, fora do carnaval, tem sido esparso o grau de mobilização, nas ruas, a título de protesto ou desfraldando bandeiras reivindicatórias. O espírito galhofeiro atribuído ao brasileiro como característica inata e intransferível contribui para dimensionar atitudes marcantes. Em 1912, às vésperas do Carnaval, com a morte do Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores, o governo determinou – para homenageá-lo – que o Carnaval fosse adiado para abril. Não adiantou. O povo brincou os dois carnavais. O jornal “A Noite” glosou o episódio: “Com a morte do barão/tivemos dois carnavá/Ai que bom, ai que gostoso/Se morresse o marechá”. O “marechá”, no caso, era o presidente, marechal Hermes daFonseca.
Há curiosidades sobre a folia que vale a pena enumerar e que são extraídas do “Guia” preparado por Marcelo Duarte em forma de livro publicado pela Cia. das Letras sobre aspectos da vida e da história do Brasil. O Sambódromo do Rio, por exemplo, chamado de Passarela do Samba da Marquês de Sapucaí, foi projetado por Oscar Niemeyer e inaugurado em 1984, com 85 mil metros quadrados, 650 metros de comprimento e capacidade para públicos cada vez mais expressivos a cada Carnaval. Inspirou sambódromos até suntuosos como ode Manaus, cuja cobertura, infelizmente, desabou em 1994. A primeira música composta especialmente para o Carnaval foi a marchinha “Ô abre alas”, de Chiquinha Gonzaga, em 1899. No Carnaval de 1983, a Caprichosos de Pilares desfilou às escuras. Faltou luz durante uma hora. Suas notas não foram computadas e a escola continuou no Grupo Especial. O mesmo aconteceu com a Santa Cruz 1 ano antes. A partir de então, o regulamento estabelece que no caso de faltar energia elétrica as escolas devem continuar o desfile. Para as notas valerem, os jurados têm que descer das cabines e permanecer na pista.
No Carnaval de 1999, Luíza Brunet não perdeu o rebolado. Mesmo grávida de sete meses, foi rainha da bateria da Imperatriz Leopoldinense, a campeã. Maria da Penha Ferreira, a Pinah da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, ganhou fama internacional em 1978 quando sua ginga conquistou o príncipe Charles, da Inglaterra, levando-o a sambar desajeitadamente ao seu lado. Dercy Gonçalves causou grande alvoroço em 1991 ao desfilar pela Viradouro com os seios nus. Na época, Dercy estava com 84 anos. Sobre Rei Momo: o deus zombeteiro, do sonho e da noite, na mitologia grega, virou Rei do Carnaval no Brasil depois que a Monarquia acabou por aqui. Por isso é que se fala em Reinado de Momo para designar o Carnaval. O primeiro Rei Momo foi instituído pelo jornal carioca A Noite em 1933. O escolhido foi o compositor Sílvio Caldas. Que era “magérrimo”….