Nonato Guedes
Antes, muito antes, de o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger destacar-se na mídia internacional com a frase “O poder é afrodisíaco”, o político paraibano Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, também escritor e historiador, que faleceu ontem em João Pessoa, com sepultamento previsto para hoje em Santa Rita, lançou pela Gráfica A Imprensa, no distante ano de 1965, o livro “Poder, Alegria dos Homens”. Na época, era jovem, prefeito da cidade de Juarez Távora (mais tarde, virou líder político em Santa Rita, com incursões por João Pessoa). O título da obra foi adaptado, em forma de paródia, de uma peça sacra – a cantata “Jesus, Alegria dos Homens”, de Johann Sebastian Bach. Em análise publicada na internet, em 2012, sobre a obra de Marcus Odilon, o ativista político Washington Rocha enfatizou que Odilon já conservava, quando da edição do livro, uma faceta que nunca o abandonou: a ambição sincera e confessada, o gosto, o prazer, a voluptuosidade do poder.
Para Marcus, sem que o poder seja uma paixão, uma espécie de vício, é melhor que se abandone o ofício da política, “que não é coisa para inapetentes”. O escritor recheia a obra de ditos populares, um dos quais “O diabo leve o Poder que não pode”. De Diocleciano, o imperador romano que deixou o trono para se dedicar ao cultivo de hortaliças, Marcus afirmou, jocosamente: “grande vocação de verdureiro”. Marcus dizia não ter a pretensão de definir mas de exaltar o Poder. E explicava: “Não só Cícero, mas todo político, em qualquer tempo, ambiciona o mando, com todas as suas forças: ódio, o amor, inveja e dever (…) só no exercício do governo é que se pode levar o bem ao povo (…) Só o inerte, o que pensa só em si, não faz nada. Não move as rodas da história”.
O ex-deputado estadual petebista admitia ser muito difícil chegar ao Poder. E pontuava que o inerte, quando tem o Poder por herança, mesmo assim não o conserva. “Luiz XVI é um desses casos. Terminou não só sem a coroa na cabeça mas sem a cabeça no corpo. Daí se conclui e é elementar que, para ter o Poder, é preciso querê-lo sobre todas as coisas. Obsessão pelo mando. Sensualizar-se com o governo, isto sim”. O escritor Virgínius da Gama e Melo, falecido, foi quem fez o prefácio do livro “Poer, Alegria dos Homens”. E, em certos trechos, assim se expressou:
– Livro que se inscreve antecipadamente ao debate é este volume de Marcus Odilon Ribeiro Coutinho (…) Por isso, a crônica de Marcus Odilon interessará a todos os círculos políticos do país, inclusive seus estudiosos e teóricos de sociologia política e, digamos, d’uma possível antropologia política (…) As personagens de Marcus Odilon – fala-se de personagens, -pois que, se de existência histórica, neste livro, de tão vivas que se apresentam, parecem coloridas dessa humanidade além que é a ficção. Não houvesse ainda a grande personagem do livro – o poder – objetivo das personagens secundárias e objeto da obra – sempre o elemento polarizador da alma humana, fonte e “alegria dos homens” (…) Os líderes paraibanos, mesmo os de âmbito nacional, passam por essa crônica pitoresca, não raro contundente, despidos das vestes que a legenda temporal ou a posição política lhes andou criando para o panorama brasileiro (…) Mas é aqui onde entra a sutileza maquiavélica do jovem autor, dissimulando-se em cronista, alegre na severidade, tolerante na condenação, cordial e humana, convicto de que, na província, é onde mais somos todos irmãos”.
A epígrafe do livro de Marcus Odilon Ribeiro Coutinho traz, entre outros, um paraibano famoso por sua obsessão por poder e sexo, segundo anotou Washington Rocha, referindo-se a Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, fundador dos Diários e Emissoras Associados, intitulado “Rei do Brasil” em livro minucioso escrito por Fernando Morais. A “pérola” de Chateaubriand usada como epígrafe por Marcus Odilon: “O poder engana e atormenta/É doce como sapoti, dá mais força do que mão de vaca e mais alegria do que cana de açúcar”. Washington Rocha sugeria, já em 2012, uma reedição da antológica obra de Marcus Odilon. A sugestão continua atualíssima, agora, com a sua morte.