Nonato Guedes
Mais uma investida autoritária do presidente Jair Bolsonaro, que se sente bem ostentando o figurino de “ditador dos trópicos” – como reflexo de instinto primitivo herdado da sua adoração ao regime da longa noite das trevas instaurado em 64 e do seu culto a torturadores como o sinistro coronel Brilhante Ustra. Agora, o capitão reformado vale-se de rede social para atiçar manifestações de rua contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, programadas para acontecer no dia 15 de março. É um sem-noção o presidente Bolsonaro, treinado no hábito de sacar o revólver ao primeiro sinal de contrariedade. A “convocatória” é dirigida, claro, à sua rede de apoiadores, ainda vasta e distribuída entre milicianos fanáticos, desinformados e inocentes úteis – presas fáceis do aventureirismo ideológico canhestro que assola o País.
Na prática, Bolsonaro está propondo aos incautos uma mobilização a seu favor, no sentido de pressionar para que lhe sejam outorgados poderes excepcionais. O seu sonho sempre foi o de fechar o Congresso e o Supremo, que tem na conta de instituições inúteis. Já chegou a dizer que bastava um cabo de polícia e dois soldados para cerrar as portas da Corte de Justiça e, ultimamente, endossou a estúpida manifestação do general Heleno, seu ministro, qualificando o Parlamento de “chantagista”. O capitão tem uma relação de amor e ódio com o Congresso. Derreteu-se em elogios à Casa onde residiu por um bom tempo depois da aprovação da reforma da Previdência, mas, no fundo, quer a submissão de senadores e deputados federais. Está, agora, na fase da recaída “fascista”, que nele é recorrente. Então, propõe a tomada das ruas, um espantalho que sempre inquieta as elites políticas.
O Congresso, no Brasil, sempre foi cheio de imperfeições, e a opinião pública tem sido informada regularmente de atos excusos e reprováveis praticados por parlamentares, como tem sido igualmente avisada das medidas punitivas adotadas, incluindo perda de mandatos. Mas, no conjunto da obra, sobressai como órgão fiscalizador do Executivo – é isto que incomoda um presidente desafeiçoado ao contraditório, à convivência democrática. Cabe lembrar Churchill, o estadista inglês, em seu libelo sobre as luzes acesas no Parlamento da Inglaterra, um sinal eloquente de que respira-se democracia. No Brasil, figuras como Bolsonaro são obcecadas pelas luzes escuras no Congresso, para não terem suas consciências atormentadas por surpresas desagradabilíssimas.
Bolsonaro é saudosista de uma época em que um mero Ato Institucional execrável – o de número Cinco, imposto pela linha dura do regime com a imolação das liberdades civis, possibilitava cassações de mandatos, censura aos meios de comunicação e sancionava a tortura, em alguns casos seguida de morte, de opositores políticos da ditadura. No governo Geisel, que, não obstante, efetivou avanços no rumo da abertura política, o Congresso teve que ser fechado para que fosse empurrada goela abaixo uma reforma do Judiciário, antídoto idealizado pelos expoentes da ditadura para conter sopro liberalizante em voga na Câmara e no Senado. Hoje, Bolsonaro tem à sua disposição a Medida Provisória, mas há limites para a utilização desse instrumento, o que, naturalmente, o aborrece. O ideal, portanto, para ele e para outros “botocudos” que compõem a sua “entourage”, seria não ter que conviver com focos de oposição ou de monitoramento.
Houve tempos em que a sociedade brasileira reagiu com galhardia a tentações autoritárias de governantes de plantão, fazendo, inclusive, o oposto do que eles pregavam ou desejavam. Em 1992, quando pairava sob sua cabeça a espada de Dâmocles do impeachment, o presidente Fernando Collor de Mello exortou o povo brasileiro a ir às ruas manifestar-lhe apoio contra o Congresso e outras forças mobilizadas para uma limpeza ética e moral na paisagem institucional brasileira. Collor chegou a propor que manifestantes colorissem as ruas com trajes verde-amarelos para simbolizar o nacionalismo, o patriotismo exacerbado. Esquecera, óbvio, que o sentimento nacionalista fora conspurcado e aviltado pelas ações deletérias de um certo esquema PC Farias, comandado pelo ex-caçador de marajás.
O povo foi às ruas – vestido de preto, para externar o luto com o golpe tramado contra as práticas republicanas. Foi uma monumental resposta oferecida a Collor sem a necessidade de balbúrdia ou derramamento de sangue. O Congresso Nacional capitalizou habilmente a expressão da manifestação popular mais legítima e deu curso com celeridade ao processo que culminou com o afastamento do presidente da República. Certo, os tempos são outros. Mas seria bom que Bolsonaro não abusasse demais da sorte a ponto de estar cutucando o cão com vara curta.