Nonato Guedes
Ministro da Fazenda no governo do presidente José Sarney, que se investiu no cargo com a morte de Tancredo Neves na segunda metade da década de 80, o economista paraibano Maílson da Nóbrega relembra o Plano Cruzado, adotado na sua gestão, em artigo publicado na revista “Veja”, a propósito de recentes declarações do ministro Paulo Guedes, da Economia, de que no Brasil se enfrentou a inflação “combatendo os sintomas em vez de combater os fenômenos” – isto é, a causa. Guedes, no Fórum Econômico Mundial, citou o congelamento de preços, dando a entender que o problema estaria, assim, no excesso de demanda, que exigiria ortodoxia fiscal e monetária. “Ressalte-se que em 1986 ele vaticinou – e acertou – o fracasso do Plano Cruzado”, assume Maílson.
E acrescenta: “Ocorre que não foi o congelamento que acarretou a falência do Plano. Houve dificuldades não antecipadas por seus autores, o que exacerbou o papel do fechamento da economia. O fim súbito da inflação interrompia a corrosão dos salários reais, dando a sensação de ganhos de renda. A demanda de bens e serviços se expandia intensamente. A oferta, enquanto isso, não seguia o mesmo ritmo nem podia ser complementada por importações, por causa de burocracia e proibições. Pior, diminuiu, pois quem ficava com defasagem de preços contraía a produção. As mercadorias sumiam do mercado, forçando o descongelamento. Ressurgia a inflação”.
O Plano Cruzado ocasionou euforia popular e a invasão de supermercados por consumidores que, se dizendo “fiscais do Sarney” denunciavam alta dos preços – um deles chegou a “decretar” o fechamento de um estabelecimento no Rio, “em nome do presidente da República”. Na sequência, veio a frustração generalizada com a volta da inflação. A oposição acusou o governo de “estelionato eleitoral” para favorecer a vitória de candidatos do PMDB a governadores, senadores e deputados federais e estaduais na disputa de 86. Maílson, na sua recapitulação, diz que, antes, a ortodoxia fiscal e monetária também fracassara. “A inflação resistia aos remédios clássicos, subia impulsionada pela indexação de preços, salários, aluguéis e outros à inflação passada. Na origem, estava a correção monetária, instituída no regime militar para títulos públicos e cadernetas de poupança. Depois, generalizou-se para quase tudo. A inflação de ontem influenciava a de hoje, que influenciava a de amanhã e assim sucessivamente. Era a chamada inércia inflacionária”.
O economista paraibano diz que nos anos 1980 o Banco Central enfrentava a inflação via controle da expansão da base monetária, o que se tornou inútil. “Criou-se um teto para a expansão do crédito. Não adiantou. A inflação teimava em subir. Em 1983, no acordo que o governo selou com o Fundo Monetário Internacional acirrou-se a ortodoxia. Mesmo cumprido na maior parte, o acordo não abalou a inflação. O fracasso das recomendações do FMI reforçou a necessidade de uma estratégia para quebrar a inércia, a causa maior da inflação crescente. Havia duas opções: o congelamento ou a ideia genial de André Lara Resende e Persio Arida, conhecida como Larida. Eles propunham uma unidade de conta para referenciar os preços, a qual, depois de disseminada, se tornaria a nova moeda. Curiosamente, o congelamento fazia sentido. Tinha dado certo em Israel e, até então, na Argentina. Era de fácil entendimento e gerava efeitos instantâneos. A Larida era uma tese acadêmica inédita, talvez difícil de entender, e levaria tempo para funcionar”.
Maílson conclui: “Essa nova ideia amadureceu. Em 1994, nasceu a unidade real de valor (URV), a base do sucesso do Plano Real. Tal como o congelamento, o plano foi uma ação heterodoxa. Seu êxito muito se deveu à maior abertura da economia. A oferta interna foi complementada por importações, o que evitou as prateleiras vazias nos supermercados. A causa básica da inflação brasileira era a inércia inflacionária e não o excesso de demanda. O congelamento e o Plano Real combateram sintomas. É o que dita a História”.