Nonato Guedes
No Brasil, de tempos em tempos, é preciso repetir o óbvio, ainda que seja o óbvio ululante. Agora, por exemplo, quando o presidente Bolsonaro e seus apoiadores insinuam o fechamento do Congresso Nacional, cabe responder que sem esse Parlamento tão criticado e tão cheio de falhas não avançam as reformas que a sociedade exige. Foi esse mesmo Parlamento, saído com ele das eleições de 2018, que Bolsonaro elogiou por ter concretizado a reforma da Previdência, que durante décadas permaneceu no papel. E é esse Congresso que irá chancelar ou viabilizar a reforma tributária, a reforma administrativa e outras mais que forem sendo demandadas.
Há uma frase do doutor Ulysses Guimarães sobre a Câmara Federal, que ele presidiu, que se ajusta ao Congresso como um todo: “No fundo, esta Casa acaba fazendo o que a sociedade quer”. A Constituição de 1988 ainda hoje é evocada por gregos e troianos como paradigma na história do Brasil. O texto adotou algumas nulidades como o tabelamento de juros em 12% mas incorporou conquistas econômicas, sociais e políticas que fortaleceram a Cidadania, carimbando definitivamente esse conceito no imaginário popular. Não se está a fechar os olhos para os excessos e as mordomias que ainda proliferam no Legislativo, mas a opinião pública é o melhor termômetro com vistas a pressioná-lo a mudar por dentro para poder contribuir com a mudança por fora, da própria sociedade.
Em lúcido ensaio na revista “Veja”, o colunista Murillo de Aragão comenta a disputa institucional, ou se quiserem, a guerra entre Poderes, advertindo que ela pode atrapalhar as mudanças aguardadas. Cita que no ano passado os conflitos e as narrativas duras não impediram o avanço, mas, hoje, os agentes econômicos e o mercado financeiro veem com preocupação a elevação do tom na discussão entre o governo e o Congresso. Há incerteza quanto à extensão do que possa acontecer. O ensaísta ressalta que não é nova a disputa institucional em curso, “porque há tempos ocorre uma espécie de acomodação das placas tectônicas em Brasília”. O Judiciário, por exemplo, se afirmou com a judicialização da política a partir do exame do mensalão.
Após a crise do presidencialismo de coalizão na era Dilma Rousseff (PT), o Legislativo ampliou o controle sobre o Orçamento da União e criou dificuldades para a edição de medidas provisórias, cujo uso costuma ser ilimitado por parte do Executivo. “Mais recentemente – acrescenta Murillo – a maneira de governar do presidente Bolsonaro acelerou um processo que, no limite, poderá resultar em um semiparlamentarismo de coalizão no lugar do abandonado presidencialismo de coalizão”. Esse novo regime é formado por um grupo de partidos conhecido como Centrão, hoje sob a liderança do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que controla a pauta do Congresso. Salvo uma crise política de grandes proporções ou um fato novo extraordinário, nada será aprovado neste ano fora da coordenação do Centrão”.
O governo, conforme a análise de Aragão, apesar de seus imensos poderes estará a reboque caso não estabeleça uma eficiente coordenação política nem amplie o diálogo com as forças políticas que apoiam sua agenda. O bom caminho estaria, então, na política – aquela que soluciona conflitos, apara arestas, oferece efetivas soluções. A conjuntura é delicada porque as disputas tendem a acirrar as narrativas – desdobramento que, por sua vez, gera retaliações, num previsível efeito dominó. A opinião de Murillo de Aragão é que o estado febril nas relações entre o Executivo e o Congresso ainda não afetou a agenda nacional, mas preocupa. E ele detalha:
– Avançar com as reformas administrativa e tributária em um ambiente pacificado já seria tarefa difícil. Caso a crise de relacionamento se agrave, o ritmo de votações poderá ficar comprometido. Tudo o que o Brasil não deseja no momento é a paralisia das reformas. Ataques e manifestações contra as instituições são um péssimo caminho. O aspecto positivo do momento é que os poderes, com algumas diferenças de intensidade, estão engajados em manter o ciclo de reformas. Mas a convergência de agendas tem de se mostrar mais clara para a sociedade, que, por sua vez, deve se apresentar engajada no debate. Nota-se que os setores produtivos aplaudem de longe as pautas, no entanto, não atuam de forma intensa, como na reforma da Previdência. O que se debaterá no Congresso este ano é essencial para o futuro do Brasil, que já perdeu tempo demais. O momento exige responsabilidade por parte das elites e por parte das instituições.
Está claro ou é preciso desenhar?