Nonato Guedes
Ponto 1) Meu repúdio às agressões de cunho nitidamente fascista partidas de um grupo de eleitores bolsonaristas contra a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, sua filha e o ex-senador Lindbergh Farias, em um hotel, no Rio de Janeiro, ontem. O episódio constituiu clara demonstração de intimidação e de desespero, cevados no fanatismo e no ódio cego que tem sido estimulado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro quando ataca diariamente pessoas e instituições a esmo por identificá-las como opositoras do “governicho” que conduz. A democracia sai perdendo sempre que o autoritarismo afia as garras e arreganha os dentes.
Ponto 2) A propósito de Lindbergh Farias: o jovem político natural de João Pessoa, que construiu carreira política no Estado do Rio, tendo sido prefeito em Nova Iguaçu, deputado federal e senador não reeleito em 2018, perdeu a chance de se constituir no “quarto senador da Paraíba” durante o período em que atuou no Congresso. “Quarto senador” é uma designação informal, já que tal figura não existe na lei – cada unidade da Federação tem direito a eleger três senadores para mandato de oito anos, independente do peso do eleitorado das regiões. Mas Lindbergh, por ter nascido em João Pessoa e manter vínculos familiares aqui, poderia ter dado uma “mãozinha” a pleitos de interesse do nosso Estado que não colidissem com reivindicações do Estado do Rio, a cujo eleitorado ele devia, de fato, satisfação primordial no exercício da representação outorgada nas urnas. Não foi o que fez – não teve interesse e deixou de se credenciar a uma possível incursão política pelos domínios do seu berço natal.
Vale recapitular que Farias travou embates acirrados na tribuna do Senado com o senador paraibano Vital do Rêgo (hoje ministro do Tribunal de Contas da União), tendo como pano de fundo a divergência sobre a destinação de royalties do petróleo extraído da camada do pré-sal. Quando o pré-sal foi descoberto em pleno governo Lula, formou-se uma espécie de “corrida pelo ouro negro” por parte de Estados e municípios brasileiros, juntando num mesmo balaio os produtores e os não-produtores de petróleo. Tratava-se, afinal, de um dinheiro extra para capitalizar Estados à beira do colapso ou da insolvência, atolados em débitos astronômicos com fornecedores, atrasos no pagamento de servidores públicos, desequilíbrio nas contas públicas e paralisia na máquina administrativa. De olho nesse filão, e também ávidos por conquistar votos de eleitores, deputados federais e senadores engalfinharam-se em monumentais e acaloradas discussões no metro quadrado do Parlamento, brandindo argumentos aparentemente irrefutáveis no reforço das bandeiras que cada qual empalmava.
Lindbergh Farias era um dos oradores mais inflamados – sobretudo na catilinária contra Estados mão produtores, que no seu ponto de vista não tinham muita autoridade para reclamar dividendos em forma de royalties exatamente porque…não produziam petróleo. Era como se tais unidades – a Paraíba incluída – fossem “parasitas” na geografia política e econômica nacional, verdadeiros estorvos à marcha inexorável para o progresso deflagrada por Estados mais privilegiados até por recursos naturais. Suspeitava-se, em tom de paranoia, da eclosão de uma casta de invasores dentro do próprio território brasileiro, supostamente produzindo e inoculando o germe de uma onda separatista que poderia tomar proporções incalculáveis. No fundo, no fundo, era tudo jogo de cena, em que políticos buscavam fazer média com suas plateias de olho nos votos de futuras eleições.
Faltou a parlamentares como Lindbergh a sensibilidade para com o drama da população paraibana e das populações de outros Estados do Nordeste, convertidas em bolsões de miséria pela ausência de investimentos e de políticas públicas efetivas que promovessem a emancipação da região, tão plena de potencialidades, tão carente de justiça e de reconhecimento. O tom agressivo que ele esboçou para defender o Estado do Rio “acima de tudo” reverberava, no seu imaginário, os tempos de notoriedade precoce quando, ainda muito jovem, foi catapultado à liderança do movimento dos estudantes “caras pintadas” que fizeram barulho suficiente, agitando as ruas, para tornar inexorável o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, arauto do esquema PC Farias de corrupção, tráfico de influência e outras práticas deletérias e repugnantes, uma contrafação do “Indiana Jones” que ia redimir o Brasil do atraso e matar a inflação com uma bala só.
Senador pela Paraíba, o empresário Ney Suassuna ficou estigmatizado aqui dentro, por algum tempo, como “o senador da Barra”, alusão à casa, a imóveis e outros empreendimentos de vulto que possuía na Barra da Tijuca no Rio supostamente em detrimento da atração de investimentos no Estado que lhe dava votos para deter mandato em Brasília. Ney, numa bem-sucedida estratégia de marketing, logrou reverter em grande parte o estigma, sendo tratado na mídia como “trator” e como o parlamentar mais atuante da Paraíba, aquele que arrombava portas de ministérios, erguia pirâmides de latas em frente ao Planalto para chamar a atenção das autoridades e recheava os cofres paraibanos com verbas federais. Como não se pode ganhar todas, hoje perde até eleição para membro da Academia Paraibana de Letras. Quanto a Lindbergh, chegou a ser cogitado como opção para disputar a prefeitura de João Pessoa ou mesmo o governo da Paraíba. Mas não adianta. Seu “xodó”, definitivamente, é o Rio. E ponto final!