Nonato Guedes
Dedicado às mulheres, o mês de março prenuncia-se fértil para manifestações e mobilizações de ampla receptividade nacional e internacional, empunhando bandeiras feministas que vão do repúdio aos alarmantes casos de feminicídio registrados nos últimos anos, à apologia da sororidade, conceito que se traduz pela união das mulheres contra atitudes machistas predominantes na sociedade. O governo do presidente Jair Bolsonaro, inevitavelmente, é alvo predileto das manifestações de protestos que estão se ensaiando porque se caracteriza pela prática e pelo incentivo à misoginia deslavada, impingindo humilhações a personalidades públicas como extensão do estilo grosseiro que o próprio político Bolsonaro adotou na Câmara dos Deputados.
A posse da atriz Regina Duarte, ontem, na Secretaria de Cultura da Presidência da República teria sido a grande oportunidade para que o presidente Bolsonaro fizesse um mea culpa das posturas agressivas e autoritárias que têm pontuado o seu relacionamento com a representação feminina e, também, com segmentos da sociedade civil como ambientalistas, jornalistas e oposicionistas ao governo. Maso Palácio do Planalto é habitado por um mandatário que não está preparado para conviver com o contraditório, com a democracia. E que também não tem nível intelectual para dialogar com segmentos cultos da sociedade, sendo contumaz no recurso a palavras rasteiras, de baixo calão, típicas de arrivistas do Poder.
No mesmo dia em que deu posse a Regina Duarte, uma profissional que dignificou o Brasil no exterior através de sua arte, seu ofício, Bolsonaro encenou uma “banana” para jornalistas envolvidos na cobertura da rotina presidencial e socorreu-se de um humorista de talento duvidoso para protagonizar a “ópera buffa”, em fração de segundos repelida com vigor por personalidades e instituições que tentam manter acesa a chama do Estado de Direito, apesar de Bolsonaro e seus asseclas, a despeito da truculência embutida em atos e declarações que são vomitadas a partir dos gabinetes oficiais. Que Bolsonaro não estava preparado para conduzir os destinos do País, sabia-se à exaustão. A maioria que o ejetou, pelo voto, à cadeira de presidente o fez movida por sentimentos de ódio ao petismo e sua roubalheira delirante no poder ou pela crença de que um candidato “outsider”, tal como o capitão se identificou em 2018, era o que se pleiteava para começar a “consertar” o Brasil. Havia, porém, uma vaga expectativa de que o estilo rastaquera do mandatário fosse sendo “apurado” no exercício da Presidência e que prevalecessem, pelo menos, os bons modos, o respeito civilizado que se exige de qualquer um, sobretudo do presidente da República.
Deu-se, na prática, um equívoco monumental. Nem mudou o estilo do presidente no trato com as pessoas e instituições nem a aprovação, pelo Congresso Nacional, de reformas como a da Previdência, foi suficiente, ainda, para caracterizar o governo que “está aí” como uma gestão mudancista, até mesmo revolucionária nos costumes e nas metas. Convém lembrar que Bolsonaro focou de forma massificada na campanha eleitoral de 2018 o seu perfil de candidato anticorrupção, espécie de Jânio Quadros modernoso que iria varrer para dentro das cadeias os dilapidadores do dinheiro público, os meliantes do sacrificado erário. Terá sido esta a perspectiva que funcionou como chamariz para erigir em torno de um capitão despreparado a fleugma de “mito”, dando-se vazão à orfandade ou carência de representatividade que leva o cidadão comum a dar o braço ao primeiro aventureiro que apareça, com um discurso enfeitado sob medida e com pitadas de populismo desbotado.
A dados de hoje, o governo de Bolsonaro já contabiliza seus próprios nichos de falcatruas ou maracutaias, não totalmente destrinchados para a opinião pública graças a manobras e sortilégios que contaminam e anestesiam setores da própria mídia intoxicados pelo revanchismo político-eleitoral-partidário que não deveria, de modo algum, perpassar o território livre da informação. Em relação ao anunciado estágio de desenvolvimento do Brasil, que se faria a um ritmo acelerado, mais acelerado do que o ritmo dos outros governos, o que se constata, em tom pesaroso, é a estatística de milhões e milhões de desempregados, e de milhares de segurados da Previdência Social submetidos a filas extenuantes em agências e postos do INSS em busca de informações e de dinheiro a que têm direito para tratar das enfermidades de que estão acometidas.
O governo de Bolsonaro não tem nada de inovador, revolucionário ou excepcional a “vender” lá fora – e é por isso que o ex-presidente Lula da Silva, sem ter nada de novo a dizer e mentindo sobre as causas de sua condenação, que estão associadas à corrupção passiva e recebimento de propinas, ainda assim logra encantar auditórios na França, na Itália, em vários países onde a visão que se tem do Brasil de Bolsonaro é a de uma ditadura disfarçada. Sabe-se perfeitamente quais são os males do Brasil. O que falta, como sempre faltou, foi a vontade política para resolvê-los. Pode ser que o agito das mulheres seja um passo fundamental para começar a mudar esse enredo calamitoso, que torna Lula e Bolsonaro farsantes, sem tirar nem pôr.