Nonato Guedes
Apesar das críticas de que se trata de um programa assistencialista – o que é contestado por organismos internacionais respeitáveis, que falam em mecanismo de distribuição de renda – o Bolsa Família responde, concretamente, pelo sustento de milhares de famílias num País onde são alarmantes os índices de desemprego e o governo federal não acena com medidas urgentes que modifiquem esse cenário triste. A informação mais recente sobre o Bolsa Família é que o Nordeste está sendo penalizado na concessão de benefícios a famílias carentes, em detrimento de Estados do Sul e Centro-Sul, como, por exemplo, Santa Catarina.
Há uma suspeita perfeitamente plausível de que esteja em curso uma orquestração revanchista por parte do governo do presidente Jair Bolsonaro contra famílias que são classificadas como em situação de pobreza ou de extrema pobreza e que por isso mesmo vinham fazendo jus a recursos financeiros repassados como reforço para garantir-lhes a sobrevivência mínima, já que a emancipação socioeconômica é uma miragem, tal qual a água em períodos cíclicos na região do semiárido. As informações oficiais que vazaram para conhecimento da mídia dão conta de que o Sul e o Sudeste foram contemplados com 70% das novas concessões do Bolsa Família em janeiro, enquanto o quinhão reservado ao Nordeste teria sido da ordem de 30%. Sem dúvida, um corte monumental nas verbas destinadas pelo poder público.
O revanchismo embutido na penalização do povo nordestino teria a ver com a votação majoritária alcançada na região, nas eleições presidenciais de 2018, pelo candidato do PT, Fernando Haddad, sobre o candidato vitorioso, o atual presidente Bolsonaro, que deixou o PSL e tenta fundar um novo partido, o Aliança pelo Brasil. O resultado eleitoral alcançado por Haddad, candidato lançado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir do momento em que o Tribunal Superior Eleitoral declarou Lula inelegível por estar, à época, cumprindo pena na Superintendência da PF em Curitiba por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tem lá explicações objetivas, traduzidas por investimentos das gestões petistas no Nordeste, cujo carro-chefe é o projeto de transposição das águas do rio São Francisco.
Além do mais, o ex-presidente Lula da Silva, que atualmente usufrui o beneplácito da liberdade e passeia pelo exterior visitando estadistas, sendo recebido em audiências e deitando falação sobre problemas do Brasil, do seu ponto de vista estritamente particular, tem ligações estreitas com o Nordeste, por ter nascido no Estado de Pernambuco e por ser descendente de uma família de “retirantes” nordestinos, tangidos deste solo pelo fenômeno da estiagem, que inviabiliza a oportunidade de trabalho e a perspectiva de sobrevivência. Nada mais natural que Lula continuasse capitalizando sentimentos de gratidão e admiração entre nordestinos. O projeto de transposição das águas do rio São Francisco foi considerado “redenção” do NE, por ter sido prometido desde os tempos do Império, quando dom Pedro garantiu vender a última joia da Coroa para salvar da miséria o povo nordestino – e não o fez.
Lula, com todos os erros e defeitos dos seus governos e com todos os desvios éticos e morais praticados, juntamente com outros expoentes do Partido dos Trabalhadores, deu partida a ações que foram viabilizando gradativamente o também chamado programa de interligação de bacias, beneficiando, sobretudo, alguns Estados que eram os mais carentes – já que a transposição, em si, não teve unanimidade no próprio Nordeste e ocasionou até greve de protesto de um religioso na Bahia. Na Era Dilma Rousseff, o projeto da transposição não teve a velocidade que experimentou nas gestões de Lula – mas, ainda assim, graças à mobilização e vigilância de lideranças políticas de partidos variados, representantes de Estados nordestinos, a transposição não deixou de estar em pauta.
Com a ascensão do presidente Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto, o projeto de transposição não chegou a constituir-se em prioridade. Esperava-se, então, que o governo do capitão compensasse a região com empreendimentos de vulto capazes de gerar emprego e renda e, enquanto isto não se materializasse, tornasse exequível a manutenção dos benefícios via Bolsa Família, que se originou, inclusive, de uma concepção engendrada no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), apropriada por Lula e pelo PT com formato diferenciado. Além de se sentir hostilizado pelo eleitorado nordestino, o presidente Bolsonaro tem assumido atritos constantes com governadores da região, que ele denomina pejorativamente de “governadores de paraíba”. A redução drástica dos benefícios do Bolsa Família é mais uma atitude de pequenez de Bolsonaro para com esta região.