Nonato Guedes
Está no colo do governador da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania), uma “bomba” repassada pelo Tribunal de Contas – a decretação, ou não, de intervenção na prefeitura municipal de Bayeux, na Grande João Pessoa, onde o gestor Berg Lima é acusado de irregularidades administrativas que causaram prejuízos ao erário, segundo resultado de inspeção extraordinária ali efetuada. A proposta de intervenção faz ressurgir no Estado um artifício que estava em desuso e que provocou grande controvérsia na década de 80. Em novembro de 1981, o então governador Tarcísio Burity, que concluía seu primeiro mandato, pelo PDS, queixava-se: “Precisamos acabar com o festival de intervenções nos municípios. Isso só ocorre na Paraíba”.
Foi o próprio Burity que acolhendo indicação do Tribunal de Contas colocou oito municípios sob intervenção na Paraíba. A existência de um “festival” foi contestada pelo conselheiro Antônio Carlos Escorel, do TC, explicando que os municípios atingidos representavam menos de 5% do total de cidades do Estado, que era de 171 (hoje são 223). O Tribunal, instalado em 1970, havia apreciado mais de 1.600 processos de contas municipais e durante todo esse período pediu apenas nove intervenções. A suposta “avalanche” ocorrida no governo Burity também se justificava, conforme Escorel, pelo fato de que só então o tribunal conseguira colocar em dia o seu trabalho, examinando balancetes dos prefeitos no exercício dos mandatos. Muitos pedidos deixaram de ser feitos porque as contas foram se acumulando e os prefeitos já haviam deixado os cargos.
Em regra, as irregularidades eram quase as mesmas. Em Sapé, a falta de dinheiro em caixa, o pagamento de obras não realizadas e os gastos excessivos com combustível deram ao município, em três anos da gestão Abel Cunha, prejuízo vultuoso. Em Cabedelo, o prefeito afastado, eleito pelo MDB, doava terrenos do município a particulares, em desacordo com a lei, e em vários outros os gestores efetuavam despesas sem comprovantes. Alguns eram precavidos, como registrou matéria do jornal “O Estado de São Paulo” em 1981. Os prefeitos de Esperança, Cabaceiras e Santa Luzia renunciaram antes que o tribunal pedisse intervenção, com isto procurando escapar de um processo. O órgão nem chegou a formular o pedido, mas, pelo menos em um caso, o de Santa Luzia, o governo antecipou-se: nomeou um interventor na mesma hora em que o vice-prefeito lutava para tomar posse.
Deputados oposicionistas, do PMDB, denunciavam o caráter político da medida e supostos abusos praticados por interventores, além de violência contra a autonomia municipal. De oito municípios atingidos, quatro tinham prefeitos do antigo MDB e para o lugar de interventor foram nomeados burocratas do governo ou líderes políticos locais que, em muitos casos, foram derrotados nas eleições municipais pelo grupo do prefeito. Houve, pelo menos, dois casos curiosos: para interventor de Curral Velho, no Sertão, foi nomeado Heleno Alves, genro do prefeito do PDS, afastado por corrupção. A oposição denunciou a manobra e o governador Burity nomeou, às pressas, m substituto. Em São Miguel do Taipu, foi decretada intervenção em novembro de 1980 e em 81, em plena vigência da medida, o prefeito afastado, Paulo Cavalcanti (PMDB) morreu. O vice, João Norberto, aproveitando o último dia dos 180 fixados para a intervenção, foi à Câmara e tomou posse perante dois terços dos vereadores. No dia seguinte, ao tentar assumir o cargo na prefeitura, não logrou êxito, pois o tesoureiro e o secretário negaram-se a entregar-lhe as chaves do prédio. Dois dias depois, foi surpreendido por um decreto de Burity prorrogando o prazo daquela medida e decidiu, com a ajuda de partidos oposicionistas, recorrer ao procurador-geral da República alegando atentado contra o município e invocando o direito de se investir na função de prefeito.
Na cidade de Taperoá, em 81, o vice-prefeito Manoel Farias de Souza Filho foi beneficiado por uma liminar do Tribunal de Justiça a mandado de segurança que impetrou contra a intervenção decretada no município. O interventor José de Assis Queiroz estava no terceiro período interventivo de 180 dias, após duas prorrogações decretadas pelo governador Burity. O advogado do vice, Joás de Brito Pereira, alegou excesso de prazos e reclamou o pronto restabelecimento da autonomia municipal. Em tom agressivo, o deputado federal Joacil de Brito Pereira (PDS), já falecido, sugeriu que os prefeitos “enxotassem os auditores do Tribunal quando eles fossem realizar inspeções fora do prazo”. Criador do Tribunal de Contas, o ex-governador João Agripino Filho admitiu, na década de 80, que o TCE estava sendo excessivamente rigoroso com os prefeitos. Sugeriu que a Corte efetivasse uma atuação de caráter didático. Houve, também, um outro fenômeno naquela década: a renúncia por parte de prefeitos, temerosos de afastamento por irregularidades administrativas. Em menos de um ano, seis prefeitos renunciaram e a previsão era de que novas renúncias estavam a caminho.