Nonato Guedes
O diagnóstico do procurador Deltan Dallagnoll é um desabafo: “Está cada vez mais difícil o combate à corrupção no Brasil”. O comentário é feito a propósito do transcurso dos seis anos da Operação Lava-Jato, a revolucionária cruzada desencadeada em março de 2014 que desnudou esquemas de desvio de vultuosos recursos públicos, com tentáculos espalhados por diversos setores de administrações petistas, a exemplo da Petrobras, outrora um símbolo do nacionalismo que foi devastado com uma cupidez impressionante. A Lava-Jato,que teve como protagonista inicial o juiz Sérgio Moro, colocou na cadeia as figuras mais poderosas do país, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, passando por ministros, empresários, doleiros e operadores de variada estirpe. Gerou subprodutos nos Estados, como a Calvário na Paraíba, a operação de maior repercussão, ainda agora produzindo desdobramentos.
Inspirada na Operação Mãos Limpas, deflagrada na Itália, a Lava-Jato foi definida como um movimento épico que mudou o Brasil, superando a ficção mais delirante, na expressão de Nelson Motta, jornalista, escritor e produtor musical, constante do livro do jornalista Vladimir Netto que revela os bastidores do que ele chama de operação que abalou o Brasil. Nas investigações minuciosas cujos resultados vieram a lume, ficou patente que o Partido dos Trabalhadores praticamente concentrou o monopólio da corrupção nos governos de Lula da Silva e de Dilma Roussef, mas contou com a colaboração de políticos de outros partidos, do PSDB ao ex-PMDB. Foi um butim socializado, às expensas do cidadão comum, mantido desinformado e manipulado sobre a sanha criminosa dos mentores de uma orquestração de assalto ao erário público, com sangria de verbas originalmente destinadas à Educação, Saúde, Segurança Pública.
O livro de Vladimir Netto, de que ganhei um exemplar ofertado pela pré-doutora Maria Isabel Morais, ressalta que a Lava-Jato mudou o curso da história do Brasil, virou patrimônio nacional, como fruto de uma improvável soma de fatores, cujo maior golpe de sorte foi reunir profissionais experientes, dedicados e corajosos. Ao mesmo tempo, mudanças favoráveis na legislação como a colaboração premiada, permitiram abrir o caminho. Seguindo a rota do dinheiro desviado da Petrobras, chegou-se aos seus beneficiários. “As provas encontradas e o desespero dos investigados foram decisivos para a mais devastadora sequência de confissões que o Brasil já viu. Um tsunami de informações foi oferecido à opinião pública e derrubou poderosos empresários e políticos, numa transformação social que está longe do fim”, aventou a reportagem-documentário de Vladimir Netto.
Com o desenrolar frenético dos acontecimentos, a Lava-Jato deixou o país em transe como se estivesse acompanhando uma série de televisão ambientada nos bastidores do poder. Em dois anos, informa Vladimir Netto, a investigação que partiu de um núcleo de doleiros que atuava em um posto de gasolina da capital federal, por onde circulavam dinheiro vivo e assessores do Congresso Nacional, chegou ao coração da República. O livro de Vladimir, um dos mais substanciosos acerca do assunto, buscou seguir os passos de investigadores e investigados para contar em detalhes como as coisas aconteceram e oferecer uma visão de como a operação superou dificuldades encontradas no percurso. A história da operação tornou-se reveladora por expor o tamanho desafio que a sociedade brasileira tem em suas mãos. E mostrou, sobretudo, que o caminho viável para o combate à corrupção é o caminho da lei.
No prefácio ao livro de Vladimir Netto, Fernando Gabeira expôs: “A Lava-Jato ainda não terminou e talvez não termine tão cedo. Mas quando o jornalista Vladimir Netto colocou o ponto final neste livro, ela já era uma operação transformadora, que desvendava, com competência, o maior escândalo da história do Brasil. Inspirada na Operação Mãos Limpas, que estremeceu a Itália nos anos 1990, a Lava-Jato é um extraordinário trabalho de equipe que conseguiu sobretudo provar com fatos e documentos a inescapável realidade de que a Petrobras foi saqueada e os saqueadores levaram os recursos para fora do país. Os personagens são apresentados nas suas mais importantes intervenções. Da coquete doleira ao sóbrio juiz, todos são retratados através de seus movimentos no processo. Foram tão contundentes os fatos apresentados pela operação que seus adversários não tiveram outro caminho exceto criticá-la na forma. Mas a própria Justiça brasileira reconheceu sua legitimidade, dando-lhe a vitória em inúmeros questionamentos”.
A Lava-Jato, com todos os percalços que hoje enfrenta, dá frutos, sim. Sua consagração, como pontua, serenamente, Fernando Gabeira, aconteceu no dia 13 de março de 2016, quando milhões de pessoas foram às ruas, na maior manifestação política da história brasileira e não se limitaram a pedir a queda do governo, mas a expressar sua indignação com a roubalheira. Conhecer a Lava-Jato e sua trajetória é, portanto, conhecer uma das maneiras pelas quais o Brasil pode construir um novo caminho para dificultar a corrupção e puni-la com severidade – enfatiza Gabeira. Assino embaixo, sem tirar nem pôr. O diagnóstico de Dallagnoll, vale repetir, é um desabafo diante das dificuldades que “jararacas vivas” estão opondo ao desideratum da Lava-Jato. Mas quem foi que disse que combater a corrupção é fácil?