Nonato Guedes
E ele finalmente falou, mas, sobre o que disse, nada comprovou. A entrevista do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) concedida hoje ao programa ancorado por Antônio Malvino na rádio Sanhauá foi um autêntico show midiático patrocinado pelo socialista dentro da estratégia adrede calculada de confundir e manipular os incautos, os desavisados e os desinformados sobre o teor concreto das acusações a ele imputadas em pilhas de papeis contendo depoimentos e “colaborações” que fazem parte da Operação Calvário, focada no desvio de recursos públicos na Paraíba. Ricardo vendeu-se como um “santo”, um grande vivente puro numa embarcação coalhada de corruptos, oportunistas e vendilhões de todo o tipo ou extração.
A rigor, o show de Ricardo já era esperado. Em liberdade, ultimamente turvada pelo incômodo do uso da tornozoleira eletrônica, o ex-governador tem tido tempo de sobra para produzir fantasias e elaborar convicções exclusivistas que destoam dos autos de processos e da coleta de informações, quer na esfera policial, quer no âmbito da Justiça. “Quero as provas”, insistiu ele, num samba de uma nota só que tende a ser, doravante, o eixo de sustentação da sua defesa quando vier a ser arguido em outras oportunidades sobre posturas nada republicanas no exercício de função pública relevante. As provas jorram copiosamente, vazam com o sinete e a força de indesmentíveis, mas para Ricardo não significam absolutamente nada, não o incriminam.
Empenhado em confundir a opinião pública e virar, a qualquer custo, um jogo que o desfavorece e que o mostra em posições desconfortáveis, o ex-governador lança mão de recursos tautológicos, de álibis teatrais, para desviar a atenção e colocar-se no papel de vítima de uma grande conspiração. Seus alvos preferenciais de agora ficaram bem definidos na entrevista: representantes do Ministério Público, autoridades como o governador João Azevêdo – por quem se sentiu traído – agentes políticos que o abandonaram, ex-secretários e auxiliares que o delataram ou insinuaram algum traço de feiura no seu perfil e, enfim, jornalistas e radialistas que ousam divulgar notícias desfavoráveis a ele e que são chamados por Ricardo de “cuspidores” de microfones. Mais do que implícito, ficou explícito um recado em tom de intimidação a quem se aventurar a inquiná-lo disso ou daquilo sem “nenhuma prova”: o pesado braço da Lei será acionado contra a “matilha” de caluniadores.
Ricardo deixou patente que baseia a estratégia de intimidação numa convicção particular: a de que expoentes de Cortes Superiores de Justiça firmaram em definitivo a jurisprudência de respeito ao rito do Estado de Direito pelo qual somente são adotadas medidas rigorosas contra suspeitos da prática de crimes depois de cumprido todo um demorado enredo, que principia pela coleta de denúncias, na sequência o estafante trabalho de apuração de provas, ato contínuo o exercício do contraditório, com a garantia da mais ampla e, se possível, ilimitada defesa a eventuais acusados, até poder cogitar-se alguma sanção efetiva. Do ponto de vista do cronograma idealizado pelo neojurista Ricardo Coutinho, é assim que funciona a democracia. Desobedecido esse ritual, estará configurada a violência. Por isso é que “estadistas” como o ex-presidente Lula da Silva são festejados no exterior, no usufruto pleno da liberdade. E em função disso é que deveriam ser desconsiderados todos os documentos reunidos que resultaram na condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, nos termos da sentença original exarada.
O ex-governador foi aos meios de comunicação com um único objetivo: o de inverter o jogo, instilar a controvérsia e criar a narrativa de que tudo o que se apurou ou que foi anotado contra ele é um ponto fora da curva da legalidade democrática. Logo, é nulo de pleno direito, o que abarca, também, a imputação de uso de tornozoleira eletrônica por sua pessoa, encarada como medida preventiva mas que, a seu talante, constitui medida de restrição da liberdade, injustificável no caso em tela, já que não há prova contra ele, não há crime praticado, não houve superfaturamento.
Só faltou a Ricardo dizer que não há pandemia de coronavírus….