Nonato Guedes
Ao abrir a campanha eleitoral a prefeito de João Pessoa no Guia transmitido por emissoras de rádio, em 2012, o então governador Ricardo Coutinho apresentou a candidata Estelizabel Bezerra ao eleitorado pessoense e conclamou: “Ouçam o que Estelizabel tem a dizer!”. Estelizabel disse o que tinha a dizer, que era sua plataforma como candidata “in pectoris” de Coutinho à prefeitura que ele ocupara por duas vezes – mas não sensibilizou o eleitorado a ponto de consagrar-se nas urnas. No pleito de 2012, o PSB não viu nem a cor do segundo turno, que foi disputado com certo equilíbrio entre Luciano Cartaxo, na primeira tentativa para chegar ao Paço Municipal, e Cícero Lucena, que confiava no “recall” de duas passagens anteriores pela prefeitura. Deu Cartaxo.
Na movimentação para o pleito deste ano que assinala a sucessão de Cartaxo, ao fim do segundo mandato, muito se cogitou o nome do ex-governador Ricardo Coutinho para concorrer. E as especulações sempre se fizeram acompanhar do prognóstico de que ele seria franco favorito por antecipação na corrida, com cacife para liquidar o páreo no primeiro turno. Seria a revanche dupla de Coutinho – contra Luciano Cartaxo, com quem nunca se entrosou nem de forma institucional, e sobretudo contra João Azevêdo, o aliado cujas mãos segurou para tornar-se governador no pleito de 2018, com ele se desentendendo em fração de meses. Hoje, Azevêdo pilota o “Cidadania” e um governo ainda indefinido, enquanto Ricardo está a braços com processos que citam seu nome em escândalos de desvio do dinheiro público, coligidos pela Lava-Jato paraibana, a Operação Calvário.
Para esta sexta-feira, 13 de março de 2020, está agendada uma entrevista, a partir do meio dia, do ex-governador Ricardo Coutinho, ao programa conduzido pelo experiente jornalista Antônio Malvino na rádio Sanhauá. Como registrado, a entrevista de Ricardo provocou agitação, de véspera, nos meios políticos e administrativos do Estado. Afinal de contas, a perspicácia do jornalismo da Sanhauá pode conseguir fazer Ricardo romper o jejum que se impôs, por questões táticas, diante da torrente de denúncias e insinuações de todo tipo, envolvendo supostas impressões digitais suas e tentáculos em diferentes ramos do que o Ministério Público denominou de organização criminosa concebida para assaltar o erário público.
São gravíssimas as acusações – e na rara oportunidade em que se manifestou sobre elas, via rede social, o ex-governador partiu para desqualificá-las, construindo truísmos em torno da ação do Ministério Público e do seu braço forte nas investigações, o Gaeco, verberando contra a condução coercitiva de réus e praguejando, igualmente, contra as delações premiadas. Tais delações, chamadas igualmente de colaborações, foram decisivas para que a Justiça avançasse na apuração de fatos que vão do pagamento de propinas em retribuição à gestão de hospitais públicos até a utilização da Loteria do Estado da Paraíba em transações nada republicanas, intrínsecamente associadas à corrupção. Ricardo, em face de tamanho bombardeio, precisa falar. Mas, qual será mesmo a verdade de Ricardo Coutinho para os paraibanos e as paraibanas?
Não se trata, apenas, de assegurar o exercício do contraditório, da democracia, da pluralidade. Em última análise, a garantia detais requisitos se materializaria por ocasião da manifestação de Ricardo nos autos dos processos da Calvário, quando ele será chamado inexoravelmente à colação. Para a opinião pública, trata-se de obter um esclarecimento, de viva voz, do líder que se jactou de ter reinventado a Paraíba com a adoção de um modelo de gestão por ele decantado como revolucionário, absolutamente inovador, focado na mais autêntica representatividade da voz rouca das ruas. Na sua cabeça e na dos antigos aliados – muitos dos quais debandaram quando o barco começou a fazer furos – Ricardo era “o cara”, o grande líder que estava redimindo a Paraíba de blefes administrativos do passado. Havia o culto à personalidade, coerente com o próprio perfil individualista de Coutinho.
Atado nos movimentos, hoje, por uma tornozoleira eletrônica, que em paralelo afeta a tessitura moral, alvejado por bombásticas acusações de antiética, de imoralidade administrativa, Ricardo Coutinho, na entrevista de logo mais, não pode titubear. Precisa contar a verdade, dar nomes aos “bois”, se é que ainda há “bois” ocultos no rastro das investigações da “Calvário” e, se tiver humildade, desculpar-se com a Paraíba pelo mal que lhe fez sob a capa de bonzinho e de revolucionário. Já se disse que as práticas deletérias atribuídas a Ricardo jogam por terra a biografia que ele vinha construindo. A pergunta é: terá ele munição convincente para desconstruir tudo isso e reverter o jogo? “Ouçam o que Ricardo tem a dizer…”. Mutatis mutandis!