Nonato Guedes
Quem apostou que a grande ambição imediata do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) é a de provar sua inocência diante do fuzuê de acusações contra ele que pipocam na Operação Calvário está tendo que refazer os cálculos. Na entrevista ao programa ancorado por Antônio Malvino, ontem, ele deixou patente que não precisa provar nada porque tem a convicção de que é absolutamente inocente das denúncias de desvio de dinheiro público da Saúde e Educação do Estado. O objeto de desejo do socialista é mesmo o de voltar a ser prefeito de João Pessoa. É claro que ele despistou dizendo que a ideia não lhe passa pela cabeça. Pois é!
A recaída saudosista foi exposta quando lhe foi dirigida uma pergunta sobre provável candidatura à sucessão de Luciano Cartaxo (PV) na parada eleitoral prevista para outubro. Ricardo deitou falação, a partir daí, sobre um projeto de destruição e descaracterização da Capital que estaria em curso e que o deixa profundamente condoído, até porque proclama-se o arauto do modelo de gestão que teria revolucionado a paisagem em João Pessoa quando foi içado ao Paço Municipal entre 2005 e 2009. Não chegou ao extremo de se atribuir a “reinvenção da Capital”. Esta parte ele tem reservado para as falas atinentes ao Estado da Paraíba. Mas, parece implícito que se o modelo com sua assinatura, implantado em João Pessoa, desmoronou, foi Ricardo, também, que reinventou a outrora Felipéia de Nossa Senhora das Neves.
Pode ser que o ex-governador esteja tomado da compulsão da revanche contra seus adversários, a partir do governador João Azevêdo, cuja candidatura abraçou em 2018 a céu aberto, numa época em que ninguém soltava a mão de ninguém no jardim dos girassóis, como foi narrado à opinião pública paraibana e brasileira. Ricardo não escondeu que se sente “traído” por Azevêdo – e isto fica martelando sua cabeça e ditando seus instintos primitivos de retomar o poder. Para retomar o poder, precisa recomeçar – como candidato a prefeito da Capital de toda a Paraíba. Há controvérsia sobre se Ricardo já não está “bichado” pela Lei da Ficha Limpa, que o deixa tatuado desde agora com o risco da inelegibilidade – quer para a campanha eleitoral de outubro, quer para as eleições mais distantes, em 2022.
Coutinho é vagamente conflituoso sobre a perspectiva de voltar a ser alcaide pessoense. E o é desta forma atendendo a um propósito: o de “melar” o jogo, tumultuá-lo, diante das insinuações de que não tem ficha para entrar nele, pelo menos como postulante. Como se deixou reger por “convicções” e não por supostas “especulações”, o ex-governador talvez se considere elegível, fazendo pouco caso da tornozoleira eletrônica que denuncia a sua condição de réu ou de elemento “subjudice” do ponto de vista de medidas cautelares ou preventivas, no jargão da Lei. Ao enveredar por esse roteiro, o ex-governador faz pouco caso, também, da inteligência alheia. Sendo mais claro: insulta, ostensivamente, os que ousarem formar algum juízo sobre sua situação instável e complicada, quanto mais expressar esse tal juízo de valor.
Enquanto mistura blefe com elucubrações, o ex-governador abre espaço no jogo de palavras em que é exímio para anunciar que será voz “ativa” na eleição municipal à vista, em João Pessoa, para se insurgir contra os que, “de forma terrível”, na sua avaliação, estão comprometidos com o desmonte da bela Capital nordestina onde o sol nasce primeiro. Contra os predadores do progresso e da beleza de João Pessoa, Ricardo Coutinho será implacável, não permitindo que por algum “cochilo” do eleitorado tais personagens nefastas se apropriem da cadeira de prefeito e imponham uma espécie de “danação” neste reduto tão cortejado, tão assediado. Coutinho planeja arvorar-se como sentinela avançada na defesa deste reduto, não tendo deixado claro se fará isto com ampla desenvoltura ou se estará manietado por rigores da Lei que, à primeira vista, não sinalizam favorecer seu personalismo e suas pretensões.
Uma coisa, pelo menos, ficou evidenciada nas entrelinhas do ensaio de elucubrações a que se entregou o ex-governador Ricardo Coutinho na entrevista concedida, ontem, à rádio “Sanhauá”: seu destino está inexoravelmente atrelado ao do PT velho de guerra, que em outros tempos ameaçou expulsá-lo por infidelidade mas que o acolheu nos últimos anos, dentro da dinâmica política que faz Ricardo sentir-se tão injustiçado quanto o seu guru maior, o ex-presidente Lula da Silva. E, convenhamos: nada como uma clausura forçada para recriar laços perdidos no tempo e no espaço. Desta feita, caminha-se na Paraíba para o enredo em que, agora, quem não solta a mão são Ricardo Coutinho e petistas tupiniquins. São siameses, univitelinos, indissoluvelmente agregados, como nunca se viu na história recente da nossa vida pública.