Nonato Guedes
Dom José Maria Pires, que foi arcebispo da Arquidiocese da Paraíba, entre 1966 e 1995, destacando-se pela veemência com que pregou o Evangelho e pela defesa altiva dos Direitos Humanos, completaria, se fosse vivo, 101 anos de idade no último domingo, 15. Ele faleceu a 27 de agosto de 2017, vítima de complicações decorrentes de uma pneumonia, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Foi sepultado em João Pessoa em meio a grande acompanhamento que também se registrou por ocasião do velório na Catedral. No dizer do mestre em História pela Universidade Federal da Paraíba Vanderlan Paulo de Oliveira Pereira, autor da Dissertação de Mestrado “Em nome de Deus, dos pobres e da libertação: ação pastoral e política em Dom José Maria Pires, de 1966 a 1980”, o prelado “falou e agiu em nome de Deus e dos pobres”.
Nasceu a 15 de março de 1919 em Córregos, pequeno distrito pertencente ao município de Conceição de Mato Dentro no centro do Estado de Minas Gerais. Seu pai era carpinteiro, descendente de portugueses, e sua mãe tinha funções domésticas e era descendente de africanos e ciganos. Numa família de seis filhos, José Maria partilhava de um ambiente marcado por grande simplicidade e por fortes sentimentos religiosos. Seu pai era o responsável pelos ensinamentos das orações. Desde cedo, como narra Vanderlan Paulo, o jovem vocacionado nutriu o desejo de ser sacerdote católico e em 1929, com apenas 10 anos de idade, partiu para Diamantina com sua madrinha Maria da Glória e, com 11 anos, entrou para o Seminário daquela diocese, instituição conhecida pelo importante trabalho realizado pelos padres lazaristas. Deles, José Maria herdou a dedicação aos estudos e o cultivo da boa comunicação.
Ele foi nomeado Arcebispo Metropolitano da Paraíba pelo Papa Paulo VI para suceder a Dom Mário de Miranda Vilas Boas e chegou a João Pessoa em 26 de março de 1966. Na definição do próprio Dom José, seu ministério episcopal foi visto por muitos católicos paraibanos como o início de uma nova ação da Igreja, mais popular e atenta às questões sociais, implantando as resoluções do Concílio Vaticano Segundo. Além disso, sua chegada propiciava ao povo a possibilidade de ir às ruas da cidade, apesar das restrições e de práticas autoritárias por parte dos militares, atingindo políticos, estudantes, intelectuais e agentes pastorais. Na Arquidiocese, dom José criou o primeiro Centro de Defesa dos Direitos Humanos do país, cuja ação se estabeleceu em diversas comunidades rurais onde os direitos dos pobres eram violados, a exemplo de Mucatu, Alagamar e Camucim de Salgado de São Félix.
Dom José, que, num primeiro momento, apoiou o movimento militar de 64, logo converteu-se em crítico contundente do regime ao constatar duas realidades: a restrição às liberdades públicas, com o que não concordava, e a realidade de miséria de grande parte da população paraibana. Foi testemunha, em paralelo, de situações de tensão e de conflitos graves no campo por parte de proprietários rurais contra trabalhadores que reclamavam direitos elementares, além da bandeira da reforma agrária. Ele se recusou a celebrar missas encomendadas por chefes militares para celebrar o aniversário da chamada Revolução. Intercedeu em favor da soltura de duas freiras holandesas que haviam sido presas numa região de conflito agrário da Paraíba.
Atuou de forma articulada com expoentes da chamada “corrente progressista” do clero brasileiro, a exemplo dos arcebispos dom Paulo Evaristo Arns, de São Paulo, e dom Helder Camara, de Olinda e Recife. Recusou-se a receber o título de Cidadão Paraibano outorgado pela Assembleia Legislativa da Paraíba face à pressão de um grupo de deputados para censura prévia do discurso que pronunciaria na cerimônia. Tempos depois, na retomada do período da normalidade democrática, foi novamente procurado para receber a homenagem e novamente declinou, alegando que já se considerava paraibano pela acolhida espontânea e autêntica do seu povo. Dom José notabilizou-se, também, pela defesa dos negros e contra o preconceito racial, de que ele próprio era vítima, tendo celebrado a Missa dos Quilombos dos Palmares em Recife, no ano de 1981. Em 1995, se tornu Arcebispo Emérito da Paraíba e retornou a Minas Gerais, passando a residir em Belo Horizonte mas assumindo a paróquia de Córregos, sua terra natal, e inúmeras funções na Arquidiocese da Capital Mineira.