Nonato Guedes
“Panelaços” voltaram a ocorrer, ontem, em várias Capitais do Brasil, em protesto contra o presidente Jair Bolsonaro. Alguns, em menor escala, foram de apoio ao presidente, ainda considerado “um mito” pelos seus adeptos. Os “panelaços” constituem ruídos em panelas de alumínio ou em outros metais para chamar a atenção, e foram “exportados” do Chile, onde pipocaram na década de 70. As pessoas “mais antigas”, que acompanharam disputas políticas memoráveis na Paraíba, recordam, a propósito, fenômeno transcorrido na cidade de Sousa, no Alto Sertão da Paraíba, na década de 60, quando o usineiro e líder político José de Paiva Gadelha (1916-1981) celebrizou-se por quebrar panelas de barro nos palanques onde sua família realizava comícios, sobretudo nas eleições municipais, para prefeito. Expoente da UDN, Zé Gadelha dava combate, principalmente, ao líder emergente Antônio Mariz (falecido em 1995 quando exercia o governo do Estado) e que era originário dos quadros do PTB.
Comerciante que se tornou usineiro de projeção, sendo tratado, como era costume na época, como “coronel”, Zé Gadelha, no dizer do filho, Paulo, desembargador e ex-deputado, também falecido, “foi o melhor palanqueiro do sertão, no seu tempo”, o homem-show dos comícios, o centro das atenções e das preocupações dos adversários, que tratavam os Gadelha como “carcarás da usina”. Partiu dele a iniciativa de comprar panelas de barro na feira livre de Sousa e estocá-las em casa para quebrá-las de forma teatral durante os comícios. Zé Gadelha fechava a encenação com o aviso de que iria quebrar a “panela” que dominava a prefeitura de Sousa e que, na sua opinião, era responsável por “malfeitos” contra o povo. Eleito no dia 15 de novembro de 1966, José de Paiva Gadelha foi o primeiro filho da “cidade sorriso” a ocupar uma cadeira na Câmara Federal pós-redemocratização, obtendo, em todo o Estado, 13.169 votos. Após a instalação do regime militar de 1964, com a imposição do bipartidarismo, filiou-se ao MDB, enquanto os opositores cerraram fileiras na Arena. Adversário dele, o então governador João Agripino confessou, no calor do resultado de uma das eleições memoráveis: “Esse Zé Gadelha é um gigante. O MDB só é forte em Sousa e na Guanabara (hoje Estado do Rio)”.
Zé Gadelha iniciou trajetória política elegendo-se vereador em Sousa, no ano de 1950. Em 1962, foi suplente de deputado federal pela UDN, exercendo o mandato titular entre agosto e setembro de 1964. Em 1966, foi eleito deputado federal pelo MDB e, em 70, concorreu como suplente de senador pela Paraíba na chapa encabeçada por Humberto Lucena, que perdeu a eleição. Zé Gadelha ficou na Câmara dos Deputados até o final do mandato em janeiro de 1971, passando a dedicar-se a suas atividades empresariais e à preparação de filhos para a atividade política, o primeiro dos quais, Marcondes Gadelha, foi atuante deputado federal e, depois, senador, tendo perdido a disputa ao governo do Estado em 86 para Tarcísio Burity. José de Paiva Gadelha tinha 65 anos quando faleceu em 1981. Em depoimento que ofereceu para livro sobre a atuação dos “autênticos” do MDB no regime militar, Marcondes lembrou que seu pai possuía um maquinismo de algodão a vapor, sendo pioneiro nessa área, numa época em que a cidade não contava com estradas, luz elétrica ou outros sinais de progresso.
O relato de Paulo Gadelha sobre a condição do pai como “raposa política” confere com testemunhos de outras lideranças políticas, sobretudo, adversárias. Como candidato a deputado federal, Zé Gadelha se dizia porta-voz dos agricultores, comerciantes, industriais e, de um modo geral, do “sofrido povo sertanejo”. Conta Paulo: “Zé Gadelha foi à luta com determinação e confiança. Nos comícios, nos encontros de líderes, nas visitas na zona rural, argumentava ter chegado o momento de Sousa ter voz e voto na Câmara Federal, já que outras cidades sertanejas, como Patos, Pombal, Cajazeiras e Antenor Navarro, hoje São João do Rio do Peixe, tinham e/ou tiveram representação política em Brasília, e Sousa, o terceiro maior colégio eleitoral do Estado, não se fazia presente na Câmara Federal. A linguagem, sentimental e telúrica, encontrou eco na cidade sorriso”. Além do mais, com uma proposta desenvolvimentista, Zé Gadelha elegeu a instalação de uma agência do Banco do Brasil como seu grande projeto para a sua cidade.
Foi tanta a obstinação de Zé Gadelha pela instalação da agência do Banco do Brasil em Sousa que, certa feita, Nestor Iost, que foi presidente do BB no período de 1967 a 1974, disse a Paulo Gadelha: “Seu pai me venceu pelo cansaço. Em audiência, eu o recebi mais de 20 vezes. Todas as vezes, o mesmo assunto: uma agência do Banco do Brasil para Sousa. Não tinha alternativa. Eu autorizei a instalação da agência”. Quanto às panelas quebradas pelo “coronel” nos palanques, durante os comícios, que faziam tanto sucesso junto aos eleitores, simbolizaram um estilo de campanha eleitoral onde predominava, acima de tudo, a criatividade – um produto em falta, atualmente, nos mais prestigiados círculos políticos do país.