Nonato Guedes
Um quiproquó envolvendo o ex-deputado estadual Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, recentemente falecido, e a Arquidiocese da Paraíba, quando ele era prefeito de Santa Rita, na Grande João Pessoa, em março de 1982, repercutiu na mídia nacional e foi destaque em órgãos da imprensa do Sul. Como prefeito, filiado ao PMDB, Odilon gastou uma quantia de vulto (Cr$ 900 mil) na reforma do prédio da secular Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que era utilizada pela administração como local para cursos profissionalizantes há mais de um ano. A Justiça local, porém, reintegrou a Arquidiocese na posse da igreja, motivando de Odilon a reação: “Este é o autêntico conto do vigário. A Igreja recuperou o prédio de graça e ficou com ele”. O padre belga Paulo Koelen, que atuava em Santa Rita, devolveu: “O prefeito queria dar um golpe de louco mas não deu certo”.
A disputa começou nas festas de fim de ano de 1980, quando o prefeito pediu autorização ao vigário para limpar as paredes externas da igreja. Os operários da prefeitura, segundo a Arquidiocese, aproveitaram-se da ocasião para entrar clandestinamente no prédio, pelo teto, arrancaram a fechadura da porta de entrada e substituíram-na por outra, ficando o prefeito com uma nova chave em seu poder. Além disso, a prefeitura mandou pintar a igreja com tinta coral avermelhada, igual à tinta que cobria as suas paredes, numa manobra para tornar o prédio uma realização sua, conforme denúncia do padre Koelen ao jornal “O Estado de S. Paulo”. Desde então, passaram a funcionar uma biblioteca e oito cursos profissionalizantes, como auxiliar de escritório, auxiliar de enfermagem, perfumista, datilografia e tricô, ministrados por oito professores para cerca de 300 alunos, em convênios com o Senac, Mobral e LBA.
Marcus Odilon garantiu, na época, que o desentendimento só ocorreu quando a Arquidiocese decidiu cobrar uma taxa de aluguel de CR$ 10 mil mensais, com contrato de locação. “Só se briga neste mundo por dinheiro ou por amor. E o que a Igreja queria era dinheiro”, sustentou o polêmico Marcus Odilon, que também era historiador, adiantando que recusou a proposta porque já fizera um investimento na restauração de um prédio abandonado e em ruínas, que se transformara em abrigo de homossexuais e de marginais. Ali não eram mais celebrados atos litúrgicos há anos, inclusive porque, a poucos metros, situava-se a Igreja Matriz, mais espaçosa e preferida pelos católicos de Santa Rita. A Procuradoria Jurídica da Arquidiocese – então titulada por dom José Maria Pires – admitiu o abandono mas acusou a prefeitura de, à revelia do arcebispo, ter-se apoderado da “venerável igreja” para nela colocar instalações incompatíveis com os seus fins.
O padre Koelen disse que a primeira pretensão de Marcus Odilon, membro de tradicional família e dono de usinas na região, era instalar ali o Museu do Açúcar, “certamente para fazer um depósito dos produtos da sua usina, com o que não podemos concordar, pois a igreja não é casa de comércio”. Odilon reagiu em tom desafiador: “Alguém pode ser contra a criação de um museu? O que acontece é que abrir escolas é um investimento de alto risco, um negócio muito perigoso. A paróquia de Santa Rita, por exemplo, nunca se preocupou com isso”.Outro ponto de divergência era sobre a legalidade da restauração feita no prédio, que já era tombado pelo Patrimônio do Estado. Marcus alegou ter consultado o IHGP e que este deu parecer favorável, inclusive, mandando fiscais para acompanhar o trabalho. Mas o padre rebatia que o Instituto fora rigoroso nas restrições feitas à mudança de cor, descrita pelo procurador jurídico como “horripilante e imprópria para a Igreja Católica, coisa jamais vista”.
Em meio ao choque de versões, oficiais da Justiça foram ao local e despejaram móveis e utensílios instalados pela prefeitura. O padre Koelen articulou uma programação para transformá-lo em centro de estudos, palco de representações teatrais, ponto de encontro de jovens e crianças e de grupos de orações, cogitando, até mesmo, uma biblioteca, “com livros que certamente o prefeito não iria colocar”.