Nonato Guedes
A “encenação” montada anteontem pelo presidente Jair Bolsonaro, convocando ministros, todos usando máscaras, para pronunciamentos sobre suposto alerta do governo diante da pandemia do novo coronavírus soou tão artificial que “coincidiu” com “panelaços” em inúmeras Capitais e cidades brasileiras em sinal de protesto contra…o governo. Tem sido inevitável a comparação entre os “panelaços” de quarta-feira e as manifestações reversas protagonizadas em 92 quando o então presidente Fernando Collor de Mello, isolado e atracado com denúncias de envolvimento no esquema PC Farias, apelou à população que fosse às ruas, trajando verde-amarelo. A população saiu às ruas vestida de preto, simbolizando luto pelas instituições, conspurcadas no mar de lama que novamente cercava a República.
O apelo de Collor naqueles trágicos momentos foi de uma falta de noção incomensurável. A Nação estava ferida de morte com escândalos éticos e morais praticados por um presidente que, como candidato nas eleições de 89, derrubou condestáveis da política e supostos radicais da oposição e ganhou um crédito de confiança travestido de paladino dos bons costumes, vencida, já, a fase em que se celebrizara como “caçador de marajás” no governo das Alagoas. Collor, como a sociedade brasileira teve a oportunidade de descobrir a tempo, era um farsante, que se aproveitara de instante de vulnerabilidade da população para se apresentar como “salvador da Pátria”. Quando a decepção ficou estampada nos rostos de brasileiros e brasileiras, a represália foi legítima e inevitável, traduzida no apoio ao processo de impeachment que se materializou no Congresso Nacional. Se o presidente havia perdido o pudor, a sociedade mantinha seus valores como a decência.
O que se constatou, nos tempos “coloridos”, foi a falta de sintonia entre o governo e a voz rouca das ruas. As eleições presidenciais diretas haviam sido recém-restauradas, com a confirmação do fim da ditadura militar que instaurou a noite das trevas por cerca de 21 anos, a sociedade fora às urnas com vontade e apostara no “novo”, que, entretanto, era um falso brilhante. A disputa final em segundo turno em 1989 ocorreu entre Collor e Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores. Collor, na campanha, pareceu ser um Indiana Jones, uma espécie de justiceiro dos trópicos, que, chegado ao poder, mataria de raiva a direita e a esquerda, por contrariar seus interesses exclusivistas, e governaria para a massa, o povão. Lula também era a novidade, mas foi pintado pelo adversário e seus apoiadores como o símbolo do “medo”, expresso em famosa propaganda da ex-atriz, hoje ministra da Cultura de Bolsonaro, Regina Duarte. Deu Collor.
As intenções e os verdadeiros compromissos do primeiro presidente eleito após o regime dos generais ficaram expressos nos primeiros atos que desapontaram a sociedade – a exemplo do confisco da poupança, apunhalando uma instituição sagrada e bastante cara para todo e qualquer cidadão brasileiro ou cidadã brasileira. Collor e sua equipe econômica, liderada por Zélia Cardoso de Melo, considerada “czarina” e a mulher mais influente da história do Brasil depois da Princesa Isabel, enredaram-se num cipoal de contradições para tentar justificar um plano econômico que equivalia a um único tiro para abater o dragão da inflação. A erosão do apoio popular ao “Indiana Jones” tupiniquim foi fulminante e deixou o governo sem prumo, batendo cabeça para retomar os trilhos e devolver o país à normalidade abruptamente interrompida.
Não havia mais o que fazer, infelizmente, como, de resto, talvez não houvesse nada a esperar do governo de Fernando Collor, que surfou na onda de promessas, não em cima de projetos ou de propostas concretas para equacionar os graves desafios conjunturais e estruturais do Brasil. O enfoque da modernidade apregoado por Collor iludiu milhares de brasileiros então desesperançados e exaustos de sucessivos experimentos a que eram submetidos como dóceis cobaias. Assim fora no Plano Cruzado, do governo de José Sarney, que deu à luz os “fiscais do presidente”, com poderes plenipotenciários para fechar supermercados e outros estabelecimentos pilhados na remarcação criminosa de preços e tarifas, em flagrante atentado à economia popular, ao já sacrificado bolso do contribuinte. Divorciado do povo, Collor foi deposto pela manifestação popular que calou fundo junto ao Congresso Nacional. Nunca mais voltou a dar expediente no Palácio do Planalto.
E quanto a Bolsonaro, o que vai acontecer? Quem sabe responder? Não é nada, não é nada, mas aquele “panelaço” por capitais e cidades brasileiras não terá sido um aviso da “voz rouca” das ruas ao capitão reformado que ora empalma o poder? O bom senso recomenda que todo cuidado é pouco, diante do caldo de cultura que junta a pandemia do novo coronavírus com a crise econômica. A História mostra que só milagres conseguem fazer governos sobreviverem em conjunturas assim. A conferir!