Nonato Guedes
Sobre a pandemia do novo coronavírus, que materializou o isolamento social e, paradoxalmente, desatou uma corrente de solidariedade que por muito tempo esteve reprimida no conjunto da sociedade: os céticos apregoam que nada vai mudar no comportamento das pessoas, nas relações interpessoais, mas “algo muito forte” informa que Nada Será Como Antes. Sejamos honestos: nós estamos tendo a oportunidade única de sermos melhores. De revermos conceitos, reavaliarmos posturas, construirmos uma sociedade efetivamente mais justa, mais afetiva, mais humana. Temos sido postos à prova, na nossa visão de mundo, inclusive com a modernidade tecnológica das redes sociais, da circulação de notícias em tempo real, que faz todos se sentirem repórteres. O teste que nos foi oferecido é este: estamos fazendo o uso correto dos instrumentos evolutivos ao nosso alcance?
Não, não estamos fazendo o uso correto desses instrumentos, não estamos nos apropriando adequadamente dos mecanismos introduzidos pelo facilitarismo de ocasião. Ao invés de alargarmos os espaços de comunicação, erguermos pontes para a passagem livre, estabelecermos vasos interativos, que fizemos? Mergulhamos em redomas, delimitamos espaços concêntricos de mobilidade das ideias, dos sentimentos e das ações, incentivamos “guetos” de patrulhamento, “ilhas” da ditadura do pensamento, em grupos e panelinhas. Fechamo-nos para a pluralidade, o respeito à diversidade, a aceitação do contraditório. Somos Inúteis Porque Somos Egoístas, Ambiciosos, Desajustados. Sim, é esteomea culpa que tem que ser feito no entrecho de reflexão que nos está sendo proporcionado em meio ao isolamento social compulsório. Somente esta autocrítica tem o condão de aperfeiçoar a Humanidade, de contribuir para fomentar a certeza de que, definitivamente, ela não é um projeto que não deu certo. Pelo contrário: a Humanidade É Um Projeto Que Tem Tudo Para Dar Certo, sim!
A pandemia da Covid-19 colocou a nu toda a grandiosa vulnerabilidade do Ser Humano, expôs de corpo e alma as imperfeições que ao longo dos tempos têm sido embriões de desigualdades, de injustiças, de mistificação. Fomos nivelados na nossa acepção mais verdadeira, aquela que teimamos em não enxergar porque somos prisioneiros de preconceitos e de ditames sociais implausíveis, manipulados por valores que nos degradam todos os dias, que nos tornam irreconhecíveis no papel de monstrinhos incapacitados para o convívio social fincado na fraternidade, no amor ao próximo, nos preceitos que tantos consideraram arcaicos, ultrapassados e que a eles recorrem, agora, como náufragos tentando sobreviver à tempestade moral cíclica. “O serviço ensina”, diziam nossos avós. Como ensina!
Não desperdicemos essa ocasião rara, invulgar, com falsos moralismos, com hipocrisias enrustidas, com intenções maléficas enquistadas no subterrâneo da alma. Tenhamos a coragem de assumir nossas limitações, a humildade de aceitar como inexoráveis as provações que nos afligem, a grandeza de superarmos nossos erros, nossas ambições voluptuosas, nossa ânsia de poder, nossas vaidades vãs, frívolas, que são cultuadas como totens infalíveis – e que, no entanto, constituem quimeras embutidas em filosofia inútil, despojada de conteúdo, de essência. Não é que a calamidade contemporânea deva parir multidões de pseudos-profetas da Nova Verdade. Não há, rigorosamente, Nova Verdade nem há nada de novo no “front”, do ponto de vista conceitual. O que há é espaço para uma volta triunfal ao “status quo ante”, personificado na prática de Atitudes Que Façam de Cada Um personagens fascinantes de um enredo belíssimo de suas histórias. Estes são os Construtores do Novo Tempo – e há muito se esperava por eles.
A calamidade da pandemia do novo coronavírus levou a sociedade a quedar-se à reflexão, que estava em desuso porque parecia ociosa, inexequível face aos modernismos impostos ao preço da derrubada de bastiões da Dignidade Humana. Claro que o preço é muito caro, já está fazendo vítimas, muitas vítimas. A diferença que cabe ser anotada é que, desta feita, neste momento de corte epistemológico da História, não há discriminação de cor, raça, credo. Estamos num só barco, debatendo-nos para salvar vidas e, no bojo desse esforço, comprometermo-nos com o resgate dos valores que verdadeiramente engrandecem o SER HUMANO. Houve tempos em que a arrogância de Maria Antonieta, na França, levou-a a mandar o povo a servir-se de brioches porque faltava pão. Mas houve outros tempos em que estadistas como Winston Churchill, em plena Guerra Mundial, prometeram a seu povo sangue, suor e lágrimas. E saíram vencedores, glorificados no panteão da História.
A calamidade de agora está nos custando muito caro. O que não é caro é apostar numa UTOPIA. A Vida É Um Eterno Recomeço. E esta é a grande lição destes momentos de mar de sargaço que a Humanidade enfrenta, pressurosa.