Nonato Guedes
A escritora gaúcha Martha Medeiros, considerada uma das grandes vozes da literatura contemporânea brasileira, publicou no jornal “Zero Hora” uma crônica que realça a importância da solidariedade na atual situação de pandemia do novo coronavírus. Ela descreve gestos e reações afetivas que estão ocorrendo em inúmeros lugares, no mundo e busca injetar otimismo, afirmando: “Vai passar. E quando passar, que a gente saia dessa melhor do que entrou. Regra básica para qualquer período de transição”. Martha nasceu em Porto Alegre em 1961, formou-se em Publicidade e Propaganda e trabalhou como redatora e diretora de criação em diversas agências. Estreou na literatura com o livro de poesias Strip-tease (Brasiliense, 1985). De lá para cá, sua produção é substancial. Martha é colunista, também, de jornais gaúchos e do Rio.
Na íntegra, sua crônica intitulada “Dar as Mãos”, datada de ontem: “A Filarmônica de Berlim liberou sua plataforma digital (digitalconcerthall.com). O usuário pode se registrar com o código BERLINPHIL e ter acesso gratuito a todos os concertos e documentários por um período de 30 dias (o test drive normal é de sete dias, foi ampliado para 30). Em tempos de confinamento, uma gentil oferta da casa. Muitos jornais liberaram o acesso de seus conteúdos online a não assinantes, a fim de que as informações sobre o coronavírus alcancem o maior número de pessoas. Em condomínios, há bilhetes de vizinhos nos espelhos do elevador e nas paredes dos corredores: eles se oferecem para ir às farmácias e a mercados para o idoso da porta ao lado.
Além disso, voluntários se predispõem a serem “anjos da guarda” no WhatsApp. Descobrem o contato de alguém com mais de 60 anos que more sozinho e mandam mensagens diárias, perguntando se ele está dormindo bem, se tem algum sintoma, se deseja conversar. Um antídoto afetivo contra o isolamento. Italianos cantam nas janelas, criando um coro improvisado e garantindo diversão comunitária. Um tenor profissional fez uma apresentação em sua varanda, num andar alto: ópera a céu aberto. Um professor de ginástica foi sozinho para o playground interno do edifício, cercado por apartamentos e conduziu uma sessão de exercícios para quem o observava de dentro de suas salas.
Há muitas maneiras de dar a mão sem precisar tocá-las fisicamente. Beijos e abraços foram cancelados, mas a solidariedade emergiu e essa é a boa notícia em meio ao espanto da nova condição mundial. Solidariedade que precisa ser mantida quando as contaminações reduzirem e as sequelas econômicas aparecerem para nos cumprimentar. Que oportunidade de ouro para sermos mais coletivos e menos individualistas. Até aqui, era cada um por si, era só o lucro que interessava, era a transferência de responsabilidade que mandava no jogo: “os políticos que cuidem da nação”; “os outros que se virem sem mim”. Não há mais “os outros”, somos um imenso “nós”. Eu, tu e eles no mesmo barco. Sem união, a gente vai esticar esse drama por mais tempo do que o necessário.
O que você pode fazer, além de lavar bem as mãos e manter-se em casa? Ler livros. Leitura é hábito privado, não requer um espaço público. Conversar mais com os filhos. Ver filmes. Estudar idiomas. Arrumar os armários. Fazer mais sexo (dizem que ajuda na imunização; se for fakenews, não me conte). Tentar se desapegar das redes sociais para não pirar. Tirar proveito da sua introspecção. Vai passar. E quando passar, que a gente saia dessa melhor do que entrou. Regra básica para qualquer período de transição”.