Nonato Guedes
O Congresso Nacional, através da Câmara e Senado, este com a realização, pela primeira vez, em 196 anos, de uma votação online, procurou dar sua contribuição ao enfrentamento da crise decorrente da pandemia do novo coronavírus, permitindo ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decretar estado de calamidade. Mas há uma atenção redobrada das duas Casas com vistas a impedir que o presidente da República decrete estado de sítio, o que seria inconstitucional, segundo parecer providenciado pela Ordem dos Advogados do Brasil. O líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon, declarou ao site “Congresso em Foco” que soube de uma consulta que o Planalto tem feito nos ministérios sobre como poderia se dar a decretação do estado de sítio.
Molon é autor de uma emenda ao projeto de decreto permitindo o estado de calamidade – e a emenda foi concebida justamente para fechar a brecha legal possibilitando decretação do estado de sítio. “Quando propus a emenda, as pessoas acharam que era uma tentativa de politizar ou que era um assunto exclusivamente de saúde ou de economia. A notícia de que o presidente tem estudado decretar estado de sítio mostra que minha atitude foi absolutamente correta”, disse Molon. O socialista observou, com justificada razão, que o presidente – que, ontem, completou 65 anos de idade – tem tendências autoritárias. Originário das Forças Armadas, Bolsonaro tem preconizado a reedição do AI-5, herança maldita da ditadura militar entre 1964 e 1985 e feito a apologia dos regimes de força.
Atitudes e declarações de Bolsonaro sinalizam claramente para retrocessos políticos ou institucionais, como o endosso, de sua parte, de críticas de políticos aliados ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal ou a convocação, através de redes sociais, de manifestações públicas pregando o fechamento daquelas instituições. Houve quem achasse que, por si só, tal exortação configuraria postura susceptível de enquadramento em crime de responsabilidade, o que abriria espaço para a instauração de desgastante processo de impeachment do mandatário. Os dirigentes das duas Casas, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, evitam assumir animosidade com o Executivo para não desencadear um confronto de proporções inimagináveis. É uma atitude louvável, que exige bastante habilidade, diante do temperamento impulsivo de Bolsonaro. Mas não tem sido suficiente para neutralizar a tendência autoritária, que em Bolsonaro parece enraizada.
O deputado Alessandro Molon sentencia: “Não é possível afirmar que Jair Bolsonaro tentará um fechamento democrático, porém, não descarto essa possibilidade. É preciso estarmos atentos e prontos para reagir a qualquer tentativa de se aproveitar esse momento de calamidade para tentar uma saída autoritária”. Se decretado o estado de sítio pode ficar proibida reunião, ainda que exercida no seio das associações, e podem ser quebrados os sigilos de correspondência e de comunicação telefônica. Em entrevista coletiva na tarde de sexta, Bolsonaro negou que um estado de sítio esteja no radar do Planalto, informa o “Congresso em Foco”. Mas as palavras vindas de Bolsonaro não se sustentam ou não guardam coerência. Ele tem tido um comportamento ciclotímico que causa apreensão à sociedade brasileira.
O parecer divulgado, ontem, pela OAB, informando sobre a inconstitucionalidade da decretação de um estado de sítio, é assinado pelo presidente nacional da entidade, Felipe Santa Cruz, e pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da entidade, Marcus Vinícius Furtado Coelho. “Não há dúvida de que a situação atual produz sensações de pânico e de temor na população. Esses sentimentos não podem, no entanto, ser explorados para autorizar medidas repressivas e abusivas que fragilizem direitos e garantias constitucionais”, escreve a Ordem dos Advogados do Brasil. De acordo com o exame, o estado de sítio não obedece aos princípios da Constituição Federal de 1988, a mais recente e que rege o Brasil atual, e só deve ser adotado quando não houver mais alternativas. “O princípio da necessidade estabelece que o recurso à medida somente se justifica na ausência de meio menos gravoso, apresentando-se como ultima ratio (último caso) na defesa do Estado Democrático de Direito (….) A OAB reconhece a gravidade da pandemia do coronavírus, mas afirma que as medidas federais e estaduais, como a aprovação pelo Congresso do estado de calamidade pública, já configuram como ações apropriadas”.
Todo cuidado é pouco e o monitoramento dos passos do presidente da República é medida profilática que se impõe, diante das suas manifestas tendências autoritárias que colidem com a retomada da tradição democrática no sistema político-institucional brasileiro. Bolsonaro precisa ser contido em seus humores que beiram o fascismo.