Na primeira votação remota da história do Senado Federal, o que mais se ouviu foi a pergunta: “Está me ouvindo?”, relata Helton Simões Gomes em texto veiculado por sites noticiosos sobre a repercussão do uso de uma plataforma de videoconferência na sessão de sexta-feira, 20, que aprovou a entrada do Brasil em estado de calamidade pública devido à pandemia do novo coronavírus. Os parlamentares tiveram certa dificuldade para lidar com a novidade tecnológica. Foi a primeira votação online da história do Senado em seus 196 anos de existência e a sessão foi presidida pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), primeiro vice-presidente do Senado, substituindo o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP), que testou positivo para o novo coronavírus.
Os trabalhos foram conduzidos a partir de uma sala no Senado equipada com telões. Elas exibiam as imagens dos outros parlamentares e junto de Anastasia estava o senador Weverton (PDT-MA), relator da matéria, além da equipe técnica do Senado. Já no começo da sessão houve uma confusão técnica. Alguns senadores simplesmente não ouviram o pronunciamento inicial de Anastasia. “Não ouviram nada do que foi dito antes?”, perguntou. Silêncio. Logo depois de o relator votar, outro senador reclamou que o seu microfone não estava funcionando. O vice-presidente do Senado respondeu que isso era uma característica da plataforma. Os microfones de todos ficavam desligados enquanto alguém estivesse falando. O aparelho era aberto somente quando a palavra fosse passada ao parlamentar.
“Como estamos nessa fase de aprendizado, todos os microfones ficam desligados. Eles são ligados aqui da central. E há um chat onde as pessoas colocam suas observações, que eu estou acompanhando aqui. É um olho numa tela e um olho em outra tela”, explicou Anastasia. O telão à frente de Anastasia mostrava as telas de 25 senadores. A medida foi aprovada por 77 votos favoráveis. Os outro quatro senadores faltantes não conseguiram se conectar. Anastasia cogitou fazer uma votação por Estado ou por ordem alfabética, mas optou por chamar os parlamentares por idade. Um dos primeiros a votar por ter 77 anos, o senador Lasier Martins (PSD-RS) teve problemas para se comunicar. Ele não aceitou o chamado para participar da videoconferência e teve de ser ajudado pela equipe técnica do Senado.
O mesmo aconteceu com o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), de 68 anos. A dificuldade com a tecnologia não foi exclusividade dos mais velhos. Styvenson Valentim, do Podemos-RN, de 43 anos, teve um problema com a conexão à internet e só pôde votar na segunda chamada. Alguns senadores recorreram a fones de ouvido para ouvir os colegas e declarar seus votos. Marcos do Val (Podemos-ES) ousou AirPods, da Apple, enquanto a senadora Leila Barros, do PSB-DF, usou fones com fios. Ainda assim, ela não sentiu segurança de que suas palavras estavam sendo ouvidas. “Bom dia, senador, está me ouvindo?”, perguntou Leila. “Perfeitamente”, respondeu Anastasia. Muitos repetiram o questionamento, como Eliziane Gama (Cidadania-MA). “Vossa excelência está me ouvindo?”, perguntou Marcos Rogério (DEM-RO). Outros chegaram a duvidar que tudo aquilo funcionava. “Estamos online?”, questionou Luis Carlos Heinze (PP-RS).
Como a votação era remota, os senadores podiam entrar na videoconferência de onde quisessem. A senadora Mara Gabrili, do PSDB-SP, estava em sua casa. Ela escolheu a dedo o canto em que ficaria. Era possível ver ao fundo um jardim vertical e um armário branco de madeira talhada. Já a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) deu seu voto por telefone, pois estava na estrada. Ela contou estar parada na beira da rodovia, em um posto de gasolina. Para evitar o contágio, estava indo de carro de Brasília para Palmas (TO). Jorge Kajuru (Cidadania-GO) estava em seu gabinete do Senado, autorizado, segundo disse, por seu médico. O senador Irajá Abreu (PSD-TO) inovou. Falou diante de uma imagem que reproduzia o plenário do Senado. O recurso lembrava, com alguma limitação técnica, os cromaquis (chroma-key) usados em estúdios de TV e cinema. Já o senador Flávio Bolsonaro (sem partido) se embananou. Enquanto falava, teve seu voto interrompido por uma ligação telefônica. Apesar dos sobressaltos, alguns parlamentares frisaram como a votação era algo histórico nos 196 anos de Senado. “Você só pode ter orgulho de participar de uma sessão como essa”, disse Kajuru. “Eu gostaria de parabenizar todo mundo pela primeira sessão deliberativa remota do mundo”, afirmou o senador Telmário Mota, do PROS-PR.
A sessão da sexta-feira não chegou a usar integralmente o Sistema de Deliberação Remota do Senado Federal, que não está totalmente concluído. A plataforma possui apenas uma versão preliminar e ainda precisa ser aperfeiçoada. Quando ela estiver concluída, permitirá que cada senador envie seu voto de modo seguro por um aplicativo. Para as próximas sessões, o SDR já estará pronto. Ele será colocado em uso quando houver guerra, convulsão social, calamidade pública, pandemia, emergência epidemiológica, colapso do sistema de transportes e situações que impeçam a reunião presencial dos parlamentares.