Nonato Guedes
O ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, em seu blog na revista “Veja”, critica o que chama de “esquisitices” vigentes sobre o orçamento público no Brasil, como a de que o Orçamento é autorizativo. De acordo com essa “lenda”, segundo o economista paraibano, a lei orçamentária “autoriza” gastos mas o governo cumpre o que quiser. Isso é repetido por servidores da área econômica, jornalistas, economistas e até, “pasmem!”, por parlamentares. Nóbrega é taxativo, diante da polêmica: “O Orçamento é e sempre foi “impositivo”.Ele propõe que a matéria seja discutida seriamente, de forma a poupar o país de aberrações institucionais.
Cita que pela Constituição, artigo 165, parágrafo oitavo, a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa. “São dois vocábulos distintos. O primeiro se refere à estimativa da receita, pois não há como ser preciso nesse campo. O segundo traduz uma determinação, isto é, uma imposição”, ensina Maílson, lembrando que questões orçamentárias estão na origem da democracia. Seu primeiro marco é a Carta Magna inglesa, datada de 1915. A elevação de impostos passou a depender da prévia autorização de barões e bispos reunidos em um Parlamento.
Já a “Revolução Gloriosa inglesa”, de 1688, transferiu a supremacia do poder do rei para o Parlamento. O monarca perdeu poderes absolutos, enquanto os legisladores ganharam a prerrogativa de também aprovar a despesa pública. O orçamento tornou-se uma lei que, como tal, deve ser cumprida. É o que também decorre das Constituições nascidas da Revolução Americana (1775-1783) e da Revolução Francesa (1789). Nelas, o orçamento é impositivo. “No Brasil, ao contrário – reclama Maílson – o assunto nunca foi levado a sério. Antes, os parlamentares aproveitavam a discussão do orçamento para nomear protegidos e dar nomes a ruas. Por isso a Constituição de 1937 incluiu um dispositivo acaciano, ainda presente no mesmo artigo oitavo da Constituição: a lei orçamentária não conterá dispositivo estranho à receita e à despesa. Qual seria outro?”.
E prossegue: “Aqui, o presidente da República emite um “decreto de programação” estabelecendo o que vai cumprir da lei orçamentária. E todo mundo aceita como parte das tradições e dos costumes. Funcionários do Tesouro exercem o poder de “gerenciar” o orçamento, controlando gastos na “boca do caixa”. A prática explica obras paradas que não recebem os recursos inscritos no orçamento. Esse “contingenciamento” não existe em democracias sérias. Nelas, quando é necessário efetuar cortes orçamentários, cabe ao Parlamento autorizá-los. É mais demorado, todavia permite a discussão pública sobre as mudanças”.
Recentemente, teoriza Maílson, o Congresso decidiu que o relator do orçamento pode designar as áreas em que aplicar 30 bilhões de reais no exercício de 2020. “É uma inovação inacreditável: um parlamentar exerceria funções típicas do Poder Executivo. Haja criatividade!”, ironiza o economista paraibano. Para Maílson, há muitas outras esquisitices na matéria orçamentária no Brasil – caso, por exemplo, da interpretação marota dos relatores do orçamento, pela qual “reestimam” as receitas. Driblam a norma segundo a qual emendas parlamentares dependem do cancelamento de outras dotações. E arremata Maílson: “Em um momento de crise econômica, provocada pelo avanço do coronavírus, que demanda uma resposta efetiva do governo, esta é a hora de discutir seriamente a matéria, de forma a livrar o país dos custos das aberrações institucionais que rondam o orçamento”.