Nonato Guedes
A decisão do prefeito de Campina Grande, Romero Rodrigues (PSD), de adiar para outubro/novembro a realização dos festejos juninos é controversa e justamente por isso não tem como não ser classificada de “corajosa”. A polêmica decorre da originalidade de transferir festejos específicos para períodos improváveis ou inapropriados, ainda que não falte quem alegue que “todo tempo é tempo de brincar o São João”. Cabe, então, a pergunta: cairia bem brincar São João perto do Natal, em dezembro? O gestor campinense, que estará concluindo seu segundo mandato consecutivo em dezembro, calculou que no período fixado emergencialmente para o São João deverá ter caído o pique da escalada do novo coronavírus. Além do mais, haverá coincidência com o aniversário da cidade, que transcorre em outubro.
Por qualquer ângulo que se analise o adiamento do São João de Campina, que ganhou a mídia como “o maior do mundo”, rivalizando com a cidade de Caruaru, no interior de Pernambuco, não foi a decisão mais correta que se esperava do poder público. As fogueiras, geralmente, são acesas em junho, podendo alastrar-se por julho, mas não consta que entre outubro e novembro voltem a iluminar as cidades. Por outro lado, o São João de Campina multiplicou-se ao longo dos anos pela atração de turistas de vários lugares do Brasil e, inclusive, do exterior. A coincidência de um evento junino com o aniversário de emancipação da cidade, sinceramente, não tem o menor apelo para o turista, que já comemora (ou não) o aniversário da localidade que habita ou onde nasceu. Descontado o impacto do apelo turístico, o São João fora de época, agora anunciado oficialmente, dificilmente terá força para atrair festeiros da própria Paraíba, de cidades situadas nas franjas do Compartimento da Borborema.
Diz o prefeito Romero Rodrigues que para optar pelo “adiamento” do São João fez consultas a segmentos diretamente interessados na organização da festa. Foi um argumento infeliz, que não levou em conta a proximidade do novo período com a realização de eleições municipais. Por mais que se diga que política é uma coisa chata e já não faz mais sucesso junto à opinião pública, as disputas municipais ainda sobrevivem como eventos capazes de despertar interesse. Aparentemente não há contra-indicação em torcer ou fazer propaganda de candidatos a prefeito e vereador e brincar São João no Parque do Povo, mas não há garantia absoluta de que essa mistura seja plausível, ou seja, que concilie bem. E se, em paralelo, a curva da pandemia da Covid-19 não tiver sido significativa e os cuidados sanitários tiverem sido redobrados? Adeus São João mesmo.
Ok, está se falando em tese, não havendo sustentação sólida ou palpável para esse contraponto. Por outro lado, ninguém nega que o prefeito corria o risco de pagar por ter cão e por não ter cão caso optasse pelo cancelamento dos festejos no calendário deste ano, porque correria o risco de ser “fuzilado” nas redes sociais. Mesmo assim, o cancelamento era a solução mais sensata, a alternativa mais viável, que poderia ser tomada. Abstraindo vaidades pessoais e interesses financeiros que estão por trás de um evento de dimensão que também redistribui a renda com os pequenos, ainda que obviamente em menor escala, é preciso fazer valer à risca o mandamento que se costuma proferir nestes tempos de pandemia de que a saúde de todos está em primeiríssimo lugar. Os governantes que estão lidando com os efeitos da pandemia querem estar atentos a tudo – e é por isto que o alcaide de Campina rege-se por razões econômicas ao “adiar” o São João. Mas a segurança coletiva deveria ter sido a prioridade número um – melhor dizendo, a única a ser levada em conta em qualquer medida que tenha que ser tomada nesta conjuntura.
O prefeito Romero Rodrigues, sem dispor de dons divinatórios nem de bola de cristal, aposta na curva descendente da Covid entre outubro e novembro. Fora desse conceito, não parece dar ouvidos a prognósticos que avalia partirem de “cassandras”, por terem indiscutível apelo catastrófico ou, se não chegarem a tanto, constituírem seguramente teorias pessimistas, negativistas, alarmistas. Grosso modo, é essa a discussão que está permeando eventos em todo o Brasil e no mundo todo. Inúmeros artistas de prestígio, bem como bandas e outros núcleos profissionais estão pura e simplesmente cancelando festas ou acontecimentos que signifiquem aglomeração, atentos ao código de conduta expedido pela Organização Mundial da Saúde para esta dura fase das nossas vidas. Se é assim, qual é a dificuldade de cancelar-se contratos para o São João de 2020 em Campina ou mantê-los a priori para 2021, ainda que não se saiba quem será o sucessor?
Não é fácil para o prefeito Romero Rodrigues tomar decisão razoavelmente consensual sobre um tema apaixonante como o São João de Campina Grande, isto tem que ser reconhecido. Certamente muitos administradores não gostariam de estar na sua pele. Mas também não é fácil para parcelas expressivas da opinião pública digerir, pacificamente, o “adiamento” de uma festa como se ela fosse intocável no tempo e no espaço. Fica a impressão de que o povo é, como sempre, o menos importante nessa história. Lamentavelmente!