Nonato Guedes
Presidente da República em situação excepcional – assumiu no dia 15 de março de 1985 como vice, no lugar de Tancredo Neves, que estava anestesiado numa cama de hospital em Brasilia e morreu no dia 21 de abril – o maranhense José Sarney contou a Geneton Moraes Neto que a presidência é um cargo perigoso “porque expele os ocupantes – pela doença, pela incompetência, pela deposição ou pela renúncia”. No livro “Dossiê Brasília – Os Segredos dos Presidentes”, Geneton, já falecido, condensou o texto integral das entrevistas gravadas para o “Fantástico”, da Rede Globo, com quatro ex-presidentes. Um deles foi Sarney, que continua vivo, mas sem ocupar mandato, residindo no Estado de origem.
Sarney foi do céu ao inferno, primeiro quando lançou o Plano Cruzado, que congelava preços e tarifas, depois quando o Plano fez furos e a inflação disparou. A Geneton revelou, em primeira mão, que cogitou renunciar ao cargoquando o Congresso admitiu encurtar para quatro anos o mandato de seis que ele teria e que ficou em torno de cinco anos. “Ao me decidir pela renúncia, eu não estava pensando pessoalmente em mim, mas no país. Quer dizer, o país não pode ter um presidente que não tenha confiança do Congresso. Eu não ia ficar ali, prejudicando o país”, narrou. Sarney foi aceito como vice por Tancredo na última eleição indireta, via Colégio Eleitoral, porque se tornara um dissidente no PDS contra a imposição da candidatura de Paulo Maluf, afinal derrotado. Seu gesto de desobediência possibilitou a formação da Aliança Democrática que, no Colégio, forneceu os votos necessários à sagração de Tancredo. O governo empalmado por ele acabou sinalizando o fim da ditadura militar, deflagrada em 31 de março de 1964.
Indagado por Geneton sobre qual o melhor e o pior presidentes que o Brasil já teve, Sarney ficou hesitante, mas acabou dizendo que Juscelino Kubitscheck foi o melhor presidente, mesmo tendo sido adversário dele. “Fui cruel com Juscelino como vice-líder da UDN na Câmara dos Deputados. Eu era da chamada “banda de música” da UDN: não tocava trombone, mas tocava reco-reco. Combati – e muito – Juscelino, mas acho que a obra que ele fez foi extraordinária, não apenas no aspecto administrativo, mas também no político. Juscelino foi um homem que teve condições de fugir do cerco da área militar, soube construir e criar uma empatia. Eu diria que foi o primeiro a ser um presidente brasileiro: a alma brasileira estava representada em Juscelino. Todo mundo se sentia próximo a ele”, relatou Sarney. Quanto ao pior…”Todos os que foram depostos não devem ter sido bons presidentes porque, se o fossem, não teriam permitido que a deposição acontecesse”.
Sarney opinou que foi o melhor presidente quando presidiu a transição democrática e conseguiu se legitimar no governo. “Fui o pior presidente quando fiz o segundo Plano Cruzado. Naquele dia fui o pior presidente porque tomei a pior decisão entre as opções que me deram. Os técnicos estavam lá, mas o presidente é que toma a decisão. O Plano Cruzado 2 foi uma tragédia. Paguei caro por ele, o país também”, salientou. A popularidade de Sarney tinha atingido o auge no Plano Cruzado, que congelou preços para combater a inflação. Dias depois das eleições de novembro de 1986, porém, o governo baixou um pacote de medidas – o Plano Cruzado 2, aumentando preços, tarifas e impostos. O primeiro presidente da República que Sarney teve a chance de ver pessoalmente foi Getúlio Vargas, que suicidou-se em agosto de 1954. Sarney historia que foi para um comício de Getúlio, em 1950, no Maranhão,munido de certo preconceito, pois pertencia à Juventude Brigadeirista (nome dado aos grupos de jovens que apoiavam o candidato da UDN, brigadeiro Eduardo Gomes) e, portanto, não tinha simpatias por Vargas. “Minha impressão, naquele comício, foi neutra. Era, na verdade, uma impressão preconcebida sobre um homem que tinha sido ditador durante tampo tempo”, descreveu.
Sarney definiu-se, no depoimento a Geneton, como um “presidente paciente”. E quanto às versões de que se irritava quando era criticado ou ridicularizado por jornalistas como Millôr Fernandes, reagiu: “Talvez seja um defeito, mas acho que é uma qualidade: sempre tive absoluta incapacidade de ter ódio e ressentimento. Sempre achava que, como estava me conduzindo bem, aquele era um preço que eu tinha que pagar – e paguei – com a volta da liberdade ao País. Os ventos da liberdade traziam aquilo. Eu era a pessoa que estava ali para receber, ao mesmo tempo, os ônus e os bônus. Nunca me senti discriminado por esse tipo de comportamento. Chico Caruso uma vez me perguntou: “Você não ficava zangado quando olhava as caricaturas que eu fazia?”. E eu: “Não, Chico. Quando via Sarney nas caricaturas, eu dizia: “Aquele é Sarney, como se fosse uma terceira pessoa. Eu também me divertia”. José Sarney é considerado o último grande “oligarca” político do Maranhão, apesar de ter militado na “Bossa Nova” da UDN. O Estado onde Sarney nasceu hoje é governado por um comunista – Flávio Dino, do PCdoB, que sonha ser candidato a presidente da República em 2022 com o apoio de segmentos de esquerda e, hipoteticamente, do PT de Luiz Inácio Lula da Silva.