Nonato Guedes
Diferentemente do presidente Jair Bolsonaro, que já endossou em redes sociais manifestações pelo fechamento do Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente Itamar Franco, que morreu em 2011 aos 81 anos de idade, rechaçou com veemência pressões de dois deputados e um senador para fechar o Parlamento, que enfrentava uma crise muito séria, com corrupção generalizada na área da comissão de orçamento. Itamar assumiu, como vice-presidente, a titularidade do cargo, em 1992, em virtude do afastamento, em meio a um processo de impeachment, do presidente Fernando Collor de Mello, acusado de envolvimento com o esquema “PC Farias”, montado pelo ex-tesoureiro de campanha nas eleições de 1989.
Em depoimento ao jornalista Geneton Moraes Neto, que consta do livro “Dossiê Brasília – Os Segredos dos Presidentes”, Itamar – que foi senador e governador de Minas Gerais – contou que os parlamentares que o abordaram sobre o fechamento do Congresso procuraram convencê-lo com o argumento de que ele faria uma limpeza e dotaria o país de uma nova ordem institucional. Em resposta, Itamar disse “não”, explicando que se fechasse o Congresso quebraria tudo aquilo que aprendera desde jovem e em que acreditava. “O Congresso é fundamental num processo democrático. Comigo não contem! Vamos resolver a crise no Congresso. O governo dará todo o apoio que for necessário”, contou ele a Geneton, sem mencionar nomes. Itamar acrescentou que na prática esse apoio foi dado com a criação de uma comissão de notáveis, encarregada de oferecer o suporte que a comissão orçamentária precisasse. E que deputados foram cassados.
– Quando ouvi a proposta, vivi uma hora difícil. Houve uma segunda vez, um diálogo mais particular: “Vamos fechar o vamos limpar, vamos fazer assim, tipo De Gaulle” (O general Charles De Gaulle, presidente da França, em meio à crise provocada por protestos de estudantes e operários em 1968 em Paris, dissolveu o Parlamento, convocou novas eleições e obteve grande vitória nas urnas). Itamar discordou da sugestão recebida alegando: “Nós estamos longe da França. Vamos manter a situação. A minha ideia é: custe o que custar, nós entregaremos a faixa ao novo presidente da República, que será eleito democraticamente, como exige e quer a sociedade brasileira. Tenho pedido a Deus que me dê sempre humildade, sabedoria e, sobretudo, equilíbrio para que possa entregar o governo ao sucessor de uma maneira democrática”.
Itamar teve como sucessor o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que foi seu ministro da Fazenda e disputou com ele a paternidade do Plano Real, concebido por uma equipe de economistas e que possibilitou estabilização de preços e tarifas, congelando temporariamente a inflação. No depoimento a Geneton Moraes, Itamar Franco disse que, quando foi presidente, recebeu conselhos complicados, que preferiria não revelar. E conceituou: “Em um regime presidencialista, o presidente é um homem solitário. Não se deve achar que o presidente tem aqueles que o cercam, os amigos, os ministros. É diferente quando o presidente vai para o quarto: em seus momentos de reclusão, ele vê passar rapidamente diante dos olhos e na mente tudo o que acontece e o que não pode acontecer no país. Certos conselhos que recebi prefiro não revelar: foram tão tenebrosos que prefiro lembrar das coisas boas do meu governo”.
Oriundo dos quadros do PMDB e tendo sido, ainda, prefeito de Juiz de Fora – cidade onde o presidente Bolsonaro sofreu um atentado a faca durante a campanha eleitoral de 2018 – Itamar Franco era chamado pela mídia de “mercurial” pelo seu estilo impaciente, tipo “pavio curto”. Como parlamentar, notabilizou-se pelas posições nacionalistas, o que lhe garantiu bom trânsito junto a segmentos de esquerda. Chegou a namorar Lisle Lucena, filha do senador paraibano Humberto Lucena, que foi presidente do Congresso Nacional. Por causa de Lisle, Itamar Franco teve a ideia de incentivar a volta do fusca, veículo cortejado, principalmente, pelas camadas mais populares da sociedade. Ele considerou doloroso o processo de impeachment de Collor, salientando que sabia da dificuldade do Congresso Nacional em impedir um presidente da República. “Era a primeira vez que se fazia algo assim”, comentou. Acusado por Collor de ter conspirado contra ele (da mesma forma como Dilma Rousseff se referiu a Michel Temer no seu segundo mandato, quando sofreu impeachment) Itamar preferiu não polemizar com o atual senador por Alagoas. O ex-senador pernambucano Ney Maranhão, que era fiel a Collor, deu entrevistas dizendo que Itamar não mexeu uma vírgula para que o impeachment ocorresse. “Pelo contrário. Quando assumiu a presidência da República, baixou um decreto dando todos os direitos de presidente da República ao presidente. Isso foi cassado por um juiz”.
A Geneton, quando abordado sobre a fama de “pavio curto”, Itamar Franco respondeu: “Meu pavio é adequado para um presidente da República: nem curto, nem muito longo”. Ele passou por um constrangimento quando foi fotografado no carnaval do Rio de Janeiro com a modelo Lilian Ramos, que estava sem calcinha, num camarote do Sambódromo. Itamar assim se defendeu: “Se aquela modelo entrou no camarote, pergunto: eu poderia pôr um espelho embaixo, para verificar se a pessoa estava nua? Não tinha jeito! Não podia fazer. Ou podia pôr um espelhinho? Se soubesse, talvez pusesse, sim, um espelho grande, para ver quem estava sem calça ou com calça. Mas aquele foi um momento de constrangimento. Eu estava ali inocentemente. Não convidei a modelo para ir ao meu camarote”. A foto teve repercussão internacional. Quem brincou com Itamar, numa solenidade, foi o rei Juan Carlos I, da Espanha. Havia um quadro. O rei chegou perto de Itamar e disse: “Meu caro Itamar, eis aí uma coisa de que você gosta”. Nós brincamos, tal a liberdade que ele tinha comigo. Mas aquilo me custou caro, um banzé danado. Eu é que fui prejudicado, porque todo mundo se beneficiou”.