Nonato Guedes
Não havia como não nos sensibilizarmos com a imagem que ganhou o mundo na tarde de ontem: o papa Francisco rezando sozinho diante da imensa praça de São Pedro vazia e, ao mesmo tempo, concedendo a bênção e a indulgência plenária ao mundo pela pandemia de coronavírus que o assola. As agências de notícias informam que não há registro de gesto semelhante na história do Vaticano. O ritual foi inédito e Francisco ministrou a bênção “Urbi et Orbi” (à cidade de Roma e ao mundo) a todos os fiéis. Creio que mesmo ateus ou agnósticos tenham se comovido sinceramente com o largo aceno de solidariedade do papa que perpassou os continentes.
Para além do forte simbolismo da imagem do papa sozinho, carregando sob os ombros todos os flagelos da Humanidade e exortando-a a superar medos e covardia, martelaram a consciência dos cristãos as reflexões severas proferidas pelo pontífice sobre pequenos e grandes pecados que são cometidos diariamente. Na exegese de Francisco, a pandemia ressoa como uma advertência para que a própria humanidade tenha a capacidade de refazer posturas e conceitos, de se tornar mais despojada, de praticar de verdade o desapego ao materialismo, às ambições fúteis que nada constroem e de focar o “olhar” em torno do próximo, especialmente dos mais carentes de pão, de justiça e de fé.
Em nota, o Vaticano assim traduziu aquele momento especialíssimo: “Se trata de um evento extraordinário presidido pelo papa, em um momento específico, quando o mundo cai de joelhos pela pandemia. Um momento de graça extraordinária que nos dá a oportunidade de viver esse tempo de sofrimento e medo com fé e esperança”. A bênção permite que mais de 1,3 bilhão de católicos obtenham a indulgência plenária, ou seja, o perdão de seus pecados em um momento tão difícil, com medidas de confinamento que afetam mais de três bilhões de pessoas. “Urbi et orbi” é a mesma bênção extraordinária que os pontífices costumam transmitir apenas em 25 de dezembro e no domingo de Páscoa, datas em que se lembra o nascimento e a morte de Jesus.
Francisco afirmou: “Deus onipotente e misericordioso, olha a nossa dolorosa situação; conforta teus filhos e abre nossos corações à esperança, porque sentimos sua presença de Pai em nosso em nosso meio. É tempo de colocar a rota da vida na sua direção, Senhor!”. A fala do papa foi pungente e vocalizada sob medida para pacificar mentes atormentadas e corações aflitos diante da eclosão da pandemia da Covid-19. Ao mesmo tempo, constituiu-se num chamamento para que as pessoas se fortaleçam na fé e na esperança. Desde que o coronavírus eclodiu na Europa, o papa Francisco manifestou-se em várias oportunidades, lembrando em particular dos profissionais médicos e enfermeiros, que estão na linha de frente da luta contra a pandemia e pedindo aos padres para acompanhar os doentes e moribundos.
Do claustro de suas meditações no Vaticano, Francisco acompanha, bem de perto, na Itália, as consequências da doença que aflige a Humanidade. Somente ontem, na Itália, foram registradas 919 mortes – o maior número diário desde que a pandemia alcançou o país no começo deste ano. País mais antigo da Europa e com o maior número de mortes no mundo, a Itália foi ultrapassada pelos Estados Unidos em número de casos confirmados. Na sexta-feira, 27, os Estados Unidos tinham 93.329 pessoas infectadas pelo coronavírus. A Itália conta agora 9.134 mortos – e entre os que morreram nas últimas horas mais de 500 viviam na Lombardia, região mais rica do país, ao norte. A Universidade americana John Hopkins informou, ontem, que são 525 mil pessoas infectadas com coronavírus, 23 mil mortes e 120 mil pacientes recuperados.
Francisco, que se prepara para celebrar a primeira Semana Santa da era moderna, sem fiéis nem procissões, invocou na sua mensagem a imperiosidade de os governantes serem proativos e eficazes nesta conjuntura dolorosa que afeta pessoas de todas as raças, credos e cores, indistintamente. Para o papa, o espírito de determinação dos governantes, superando idiossincrasias políticas e ideológicas e concentrando-se na missão de salvar vidas é o que se impõe nas atuais condições de temperatura e pressão, em que a Ciência e a Medicina estão a braços com desafios emergentes e com a cobrança pelo oferecimento de soluções rápidas. A Organização Mundial de Saúde já avisou que o desenvolvimento da vacina contra o coronavírus deve demorar mais de um ano e meio.
Tedros Adhanom Gebreyesus, diretor-geral da OMS, foi enfático: “Nós só estamos apenas começando a luta contra o coronavírus. Precisamos manter a calma, permanecer unidos e trabalhar juntos”. Mais de uma dúzia de países estuda o desenvolvimento da vacina e qual medicamento é mais eficiente para tratar os infectados por Covid-19. Enquanto se dá essa corrida dos especialistas e dos profissionais da área médica, o papa comparece com a apologia à fraternidade. Um alento para todos nós!!!